sábado, 30 de junho de 2012

A vergonha que o Paraguai impôs ao Brasil

Num rasgo de bravura e alta responsabilidade para com sua pátria, dois dos três Poderes da República do Paraguai, usando de seus direitos e prerrogativas, julgaram rapidamente o chefe do Executivo como um incompetente e irresponsável e o destituíram.
Os falsos democratas brasileiros por sua vez, useiros e vezeiros de práticas condenáveis e criminosas, sentiram-se “ofendidos” com o ato patriótico das autoridades paraguaias. Seria muito bom que os presidentes do STF e do Congresso e do Brasil, fossem àquele país aprender sobre democracia maiúscula e os verdadeiros direitos humanos do povo.
Assim, poderiam se transformar em autoridades independentes em vez de serem vassalos de um Executivo corrupto, imoral e transformado num esgoto fétido. Deveriam também aprender que, quando se trata da dignidade e da segurança de seus cidadãos, a rapidez se faz necessária para se evitar que os excessos burocráticos transformem em anarquia um julgamento de altíssima responsabilidade.
O Judiciário brasileiro costuma se exceder em firulas jurídicas e pirotecnias medíocres e deixar para segundo plano o julgamento em si. Todos os “príncipes” daqui estranharam a rapidez com que foi julgado o impeachment de Lugo.
Eles pensavam que a “burrocracia” existente na Justiça meia-boca brasileira era padrão para o mundo.
A vergonha imposta pelos Guaranys aos tupiniquins foi como uma bofetada acompanhada de um chute nos fundilhos dos chulos subservientes do Foro de São Paulo.
Que vergonha para nós brasileiros!

Rio +de 20... milhões

A Rio +20, a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, levou do nada a lugar nenhum o problema socioambiental no planeta.
Mas a rave política não só serviu de palanque para maconheiros que querem queimar o mato sem pegar cana, como foi palco de mais um episódio terrorista do MST e até pretexto para a Marcha sem calça – ops, sem causa - das Vadias que lá foram confirmar a tese do saudoso Millôr de que o melhor movimento feminino é o dos quadris.
Tudo custou aos bolsos do contribuinte a quantia de R$ 97,1 milhões (confira no site Contas Abertas). Ao contribuinte – esta espécie ameaçada pela não extinção da roubalheira e da gastança oficial neste país em desenvolvimento da corrupção sustentável.

sábado, 23 de junho de 2012

Autocontrole

Antonio Prata (Folha de S.Paulo, 20/06/2012)
Faz mais ou menos um mês, ouvi uma mulher dizer que nunca iria a uma nutricionista gorda. Semanas depois, um amigo demonstrou preocupação ao descobrir que seu psicanalista fumava. Segundo eles, ao que parece, não pode cuidar da dieta ou da ansiedade alheia quem não controla os próprios impulsos.
Ah, que época bunda-mole a nossa! Elegemos como principal virtude justo a mais medíocre: o autocontrole. Foi-se o tempo em que o herói era aquele capaz de romper as amarras sociais, morais, históricas. De enfrentar o mundo em nome de um ideal ou de dar um piparote nas sentinelas do superego em busca de seu eu profundo.
O Super-Homem atual é o que, avaro com os prazeres, melhor consegue inserir-se nos escaninhos disponíveis do mundo. É um profissional bem-sucedido e com barriga de tanquinho. Seus feitos não serão medidos pelas marcas deixadas na história, mas pelo extrato da conta bancária e pela taxa de colesterol.
Não falo de fora. Sou filho da época, também tento enquadrar-me neste anódino “zeitgeist”, de sonhos tão mirrados como as cinturas de nossas divas: sou funcionário esforçado, corro na esteira, acredito nos poderes milagrosos da quinua. Quando ponho a cabeça no travesseiro, contudo, envergonho-me e lamento a grandeza perdida.
Outrora buscávamos a nascente do Nilo, a verdade última das coisas, nos metíamos no mato sem cachorro, em mares nunca dantes navegados, nos entregávamos a amores e substâncias proibidas atrás de paraísos naturais ou artificiais. Agora, aqui estamos nós, usando 30 séculos de conhecimento acumulado para vender mais pasta de dentes, mais jornais, empenhados em descobrir como fazer dez arruelas ao custo de nove e receber uma promoção; aqui estamos nós, reinando sobre a natureza, mas comendo barrinhas de cereais.
Onde foi que nós erramos? Em que beco escuro do século 20 um Mefisto chinfrim sussurrou em nossos ouvidos que alcançaríamos a vida eterna caso abríssemos mão de nossos corações em nome do “sistema cardiovascular”? Que bizarra inversão foi essa que nos fez acreditar que a função das comidas é facilitar o trabalho do sistema digestivo, e não que a função do sistema digestivo é lidar com nossas comidas? Desculpem por ser chulo, caro leitor, mas eis a ambição de nossa triste humanidade: fazer um cocô durinho.
Veja, acho bom que haja campanhas contra o cigarro. Que o exercício físico venha se tornando um hábito mais e mais comum. A vida é curta e preciosa demais para que a atravessemos com pigarro e sem fôlego. Mas é curta e preciosa demais também para ser gasta nesta liberdade (auto) vigiada, em que o prazer e a poesia são drenados a cada dia pelos ralos da eficiência.
Não creio em nada para além do último suspiro, mas ficção por ficção, sou mais Dionísio, São Francisco e Ogum do que esse culto desvairado pela bicicleta ergométrica, o Excel e a fenilalanina.
Bichos burros! Indo do berço ao túmulo agarrados às certezas mais tacanhas e permitindo-nos o mínimo de prazer, o grande legado de nossa época será belíssimos, saudabilíssimos cadáveres-injustiça, aliás, com as minhocas, que não estão preocupadas com o colesterol nem com suas anelídeas silhuetas.

sexta-feira, 22 de junho de 2012

O empresário, o guru e o hippie velho

Luiz Felipe Pondé (Folha de S.Paulo, 22/06/2012)
Fui visitar as outras Rio+20, no Forte de Copacabana e no aterro do Flamengo. A do forte é bastante organizada e com pessoal bem treinado para lidar com multidões. A do aterro tem cara de feira de hippie velho.
No forte há dois ambientes. Um anfiteatro para mesas redondas com grandes empresas e gurus verdes. Vi um interessante debate no qual o representante da Ambev Milton Seligman falou muito bem sobre como a sustentabilidade só funcionará quando entendermos que ela tem de operar num mercado de bens e recursos naturais e tecnológicos sustentáveis e competitivos.
O outro ambiente é a exposição sobre a humanidade. Não escapa do marketing emocional barato. Numa sala específica, frases de intelectuais afirmam absurdos sobre um mundo baseado em solidariedade e amor pela humanidade e de como gastamos dinheiro em armas, conforto e jogos eletrônicos (!!) desnecessários. Cifras eletrônicas apontam quantas crianças nascem e morrem enquanto olhamos os números, assim como também quantas árvores são derrubadas (desertificação).
O ridículo de tal abordagem está no fato de que ao questionar o gasto em armas não se percebe que diante da multidão que ali se encontra, apenas o forte esquema de segurança e de ordem imposto pela equipe é que impede que a multidão de seres pretensamente solidários furem a fila e atropelem uns aos outros.
Basta observar o dia a dia institucional desses intelectuais que pregam a solidariedade para ver que são a prova irrefutável de que Thomas Hobbes, filósofo inglês do século 17, tinha razão quando dizia que o homem é o lobo do homem. Um dos ambientes de trabalho mais violento e desonesto é aquele ocupado por esses intelectuais "do bem".
No aterro do Flamengo há uma espécie de "cúpula dos povos" que dá vontade de cortar os pulsos. Trata-se de uma mistura de feira de periferia, cheia de cacarecos à venda, com cheiro de assembleia de estudantes que não gostam de assistir aula.
Ela reúne hare krishnas chatos, gente do MST querendo invadir a terra alheia, bandeiras do PT e PC do B e índios desbotados. Claro, não faltavam aqueles caras pintados de branco dizendo "save the planet" com sotaque ridículo.
Aliás, a coisa toda é ridícula porque todo mundo sabe que esse "amor entre os povos" acaba no primeiro momento que alguém tiver que pagar a TV a cabo. Essa moçada de "um outro mundo é possível" só fica por perto enquanto mamam o dinheiro de alguém, quando eles têm que meter a mão no bolso, normalmente todos voltam para seus buracos de origem.

A Cigarra - Elza Soares e Letícia Sabatella

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Tá caindo fulô: Meninas de Sinhá

Com saias rodadas e flores no cabelo, as Meninas de Sinhá derramam graça e cantam a esperança onde quer se apresentem.
Hoje, um dos mais importantes grupos culturais de Minas Gerais, com projeção nacional e internacional, as Meninas de Sinhá vão se apresentar no dia 23 de junho, sábado, às 15 horas, no Spaço Vida, em Divinópolis.
Na simplicidade da roda de suas cantigas e danças, essas mulheres meninas mostram a grandeza do mérito de seu trabalho: despertar o sentimento de que a realidade pode, sim, ser transformada. Porque de fato a transformaram, na comunidade do Alto Vera Cruz, em Belo Horizonte, onde tudo começou.
O grupo foi criado pelo ideal de fé de Dona Valdete da Silva Cordeiro, meu coração de Mãe Preta, minha mãe, história que já contei aqui.
Estarei lá. Por nada deste mundo perco este abraço.

terça-feira, 12 de junho de 2012

Ueba! Alugamos namorados!

José Simão (Jornal Folha de S.Paulo, 12/06/2012)
Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Atenção! Promoção de motel na via Dutra pro Dia dos Namorados: "Você dá quatro! A quinta é nossa". Ueba! Hoje vai dar overbooking em motel! E tem outro motel em BH que tá aceitando vale-refeição! Comeu a namorada com vale-refeição! E celebridade troca tanto de namorado que nem sabe mais com quem tá namorando. Tem que ligar pra "Caras": "Quem que eu tô namorando mesmo?". Rarará!
E em Salinas, no Pará, tem uma ótima oferta pro Dia dos Namorados: "Vende-se CHIFRI! Varejo e Atacado". Atacado por um chifre! E lembre-se que amor começa em motel e termina em pensão! E você quer que sua namorada continue gritando após a transa? Limpa o pingolim na cortina! Ela vai gritar por três dias! Rarará!
E uma amiga minha não quer namorado porque homem só serve pra três coisas: trocar pneu, abrir tampa de vidro de maionese e assistir ao programa do Milton Neves! E uma outra vai passar o Dia dos Namorados em estado de coma. COMA-ME, pelo amor de Deus! Rarará!
E na noite do Dia dos Namorados é assim: "Meu anjo, bebê, fofita, pudinzinho". E aí acorda no dia seguinte e o pudinzinho vira anta e vaca: "Onde tá o Sonrisal, sua anta?". "Cadê minha cueca, sua vaca?". E corre na internet uma placa em Ceilândia: "Alugo-me para o Dia dos Namorados. Beijo na boca, tiro foto, digo que amo e visito a família". Só isso? Uma amiga minha disse que faz muito mais. E de graça!
E as Lojas Americanas, que estão anunciando máquina de lavar pro Dia dos Namorados? Se for pra namorada, é a coisa mais machista que existe. E, se for pro namorado, é melhor trocar de namorado!
Vai dar overbooking em motel. Por isso que eu recomendo o drive-thru do McDonald's: entra, pede um hambúrguer, dá uma rapidinha e sai! McRapidinha Feliz!
E um leitor mandou a foto da namorada com a legenda: "Tá explicado por que eu bebo?". E as recomendações de todo ano: se o teu namorado te trair, não se atire pela janela. Você tem chifres, não asas. E você sabe quando o namoro tá indo pro brejo quando engole muito sapo e come pouca perereca. E o melhor namorado é o saci: quando te dá um pé na bunda, quem cai é ele.
E sabe o que o saci falou pra sacia? FICA DE TRÊS! Rarará. Dia dos Namorados. Um dia dedicado, como diz uma amiga, a essa doença mental chamada amor. Rarará. Nóis sofre, mas nóis goza! Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

sábado, 9 de junho de 2012

Nosso futuro comum

Os deuses primeiro enlouquecem aqueles a quem querem destruir
O ponto de partida é uma frase de Lula: “Não deixarei que um tucano assuma de novo a Presidência“. Lembro, no entanto, que não sou de pegar no pé de Lula por suas frases. Cheguei a propor um “habeas língua” para o então presidente na sua fase mais punk, quando disse que a mãe nasceu analfabeta e que se a Terra fosse quadrada a poluição não circularia pelo mundo. Lembro também que hoje concordo com o filósofo americano Richard Rorty: não há nada de particular que os intelectuais saibam e todo mundo não saiba. Refiro-me à ilusão de conhecer as leis da História, deter segredos profundos sobre o que dinamiza seu curso e dominar em detalhes os cenários futuros da humanidade.
Nesse sentido, a eleição de Lula, um homem do povo, sem educação formal superior, não correspondeu a essa constatação moderna de Rorty. Isso porque, apesar de sua simplicidade, Lula encarnava a classe salvadora no sonho dos intelectuais, via luta de classes como dínamo da História humana, e traçava o mesmo futuro paradisíaco para o socialismo. Na verdade, Lula falava a linguagem dos intelectuais. Seus comentários que despertaram risos e ironias no passado eram defendidos pelos intelectuais com o argumento de que, apesar de pequenos enganos, Lula era rigorosamente fundamentado na questão essencial: o rumo da História humana.
A verdade é que a chegada do PT ao poder o consagrou como um partido social-democrata e, ironicamente, a social-democracia foi o mais poderoso instrumento do capitalismo para neutralizar os comunistas no movimento operário. São mudanças de rumo que não incomodam muito quando se chega ao poder. O capitalismo é substituído pelas elites e o proletariado salvador, pelos consumidores das classes C e D. Os sindicalistas vão ao paraíso de acordo com os critérios da cultura nacional, consagrados pela canção: É necessário uma viração pro Nestor,/ que está vivendo em grande dificuldade.
Se usarmos a fórmula tradicional para atenuar o discurso de Lula, diremos que o ex-presidente queria expressar, com sua frase sobre um tucano na Presidência, que faria todo o esforço para a vitória do seu partido e para esclarecer os eleitores sobre a inconveniência de eleger o adversário. Lula sabe que ninguém manda no processo eleitoral. São os eleitores que decidem se alguém ocupará a Presidência. Foi só um rápido surto autoritário, talvez estimulado pelo tom de programa de TV, luzes e uma plateia receptiva.
Se o candidato tucano for, como tudo indica, o senador Aécio Neves, também eu, em trincheira diferente da de Lula, farei todo o esforço para que o tucano não chegue à Presidência. Aécio foi um dos artífices na batalha para poupar Sérgio Cabral da CPI e confirmou, com essa manobra, a suspeita de que não é muito diferente do PT no que diz respeito aos critérios de alianças e ao uso da corrupção dos aliados para fortalecer seu projeto de poder. Tudo o que se pode fazer, porém, é tornar clara a situação para o eleitor, pois só ele, em sua soberania, vai decidir quem será o eleito.
Na verdade, essa batalha será travada também na esfera da economia. Vivemos um momento singular na História do mundo. A crise mundial opõe defensores da austeridade, como Angela Merkel, e os que defendem mais gastos e investimentos, dentro da visão keynesiana de que a austeridade deve ser implantada no auge do crescimento, e não durante o período depressivo. O PT dirigiu o País num período de crescimento e muitos gastos, não tanto no investimento, mas no consumo. É possível que esse modelo de estímulo à economia tenha alcançado seus limites.
Muito possivelmente, ainda, o curso dos acontecimentos não dependerá tanto da vontade de Lula nem dos nossos esforços individuais. A democracia prevê alternância no poder. E a análise de como essa alternância se dá na prática revela, em muitos casos, uma gangorra entre austeridade e gastança. De modo geral, a crise derrota um governo austero e coloca seu oposto no poder, como na França. Mas às vezes derrota um governo social-democrata e elege seu adversário direto, como na Espanha.
Pode ser que o esgotamento do modelo de estímulo ao consumo abra espaço para discurso de reformas fiscal e trabalhista, de foco em educação e infraestrutura, enfim, de uma fase de austeridade. E não é totalmente impossível que um partido de oposição chegue ao governo. Restaria ao PT, nesse caso, um grande consolo: ao cabo de um período de austeridade, o partido teria grandes chances de voltar ao poder com seu discurso do “conosco ninguém pode”, do “vamos que vamos”, “nunca antes neste país”… Não estou afirmando que esse mecanismo vai prevalecer, é uma das possibilidades no horizonte. A outra é o próprio PT assumir algumas das diretivas de austeridade e conduzir o processo sem necessariamente deixar o poder.
Por mais que a crise seja aguda, o apelo ao consumo e à manutenção de intensas políticas sociais é muito forte na imaginação popular. O discurso de austeridade só tem espaço eleitoral quando as coisas parecem ter degringolado.
O futuro está aberto e não será definido pela exclusiva vontade de Lula. Com todo o respeito ao Ratinho e sua plateia, o povo brasileiro é mais diverso e complexo. Se é verdade que a História não se define nas academias intelectuais, isso não significa que ela tenha passado a ser resolvida nos programas de auditório.
No script do socialismo real o proletariado foi substituído pelo partido, o partido pelo comitê central e o comitê central por um só homem. No script da social-democracia tropical Lula substituiu o proletariado, o partido, o comitê central e o próprio povo brasileiro ao dizer que não deixará um tucano voltar à Presidência. Se avaliar com tranquilidade o que disse, Lula vai perceber que sua frase não passa de uma bravata.
O que faz um homem tão popular e bem-sucedido bravatear no Programa do Ratinho é um mistério da mente humana que não tenho condições de decifrar. A única pista que me vem à cabeça está na sabedoria grega: os deuses primeiro enlouquecem aqueles a quem querem destruir.

A palavra-gatilho

Olavo de Carvalho (Diario do Comércio, 08/06/2012)
Se você é treinado para ter sempre as mesmas reações diante das mesmas palavras, acaba enxergando somente o que é capaz de dizer, e dificilmente consegue pensar diferente do que os donos do vocabulário o mandaram pensar.
Em artigo anterior, mencionei alguns termos da "língua de pau" que domina hoje o debate público no Brasil, inclusive e sobretudo entre intelectuais que teriam como obrigação primeira analisar a linguagem usual, libertando-a do poder hipnótico dos chavões e restaurando o trânsito normal entre língua, percepção e realidade.
Mas estou longe de pensar que os chavões são inúteis. Para o demagogo e charlatão, eles servem para despertar na plateia, por força do mero automatismo semântico decorrente do uso repetitivo, as emoções e reações desejadas. Para o estudioso, são a pedra de toque para distinguir entre o discurso da demagogia e o discurso do conhecimento. Sem essa distinção, qualquer análise científica da sociedade e da política seria impossível.
A linguagem dos chavões caracteriza-se por três traços inconfundíveis:
1) Aposta no efeito emocional imediato das palavras, contornando o exame dos objetos e experiências correspondentes.
2)   Procura dar a impressão de que as palavras são um traslado direto da realidade, escamoteando a história de como seus significados presentes se formaram pelo uso repetido, expressão de preferências e escolhas humanas. Confundindo propositadamente palavras e coisas, o agente político dissimula sua própria ação e induz a plateia a crer que decide livremente com base numa visão direta da realidade.
3)  Confere a autoridade de verdades absolutas a afirmações que, na melhor das hipóteses, têm uma validade relativa.
Um exemplo é o uso que os nazistas faziam do termo "raça". É um conceito complexo e ambíguo, onde se misturam elementos de anatomia, de antropologia física, de genética, de etnologia, de geografia humana, de política e até de religião.
A eficácia do termo na propaganda dependia precisamente de que esses elementos permanecessem mesclados e indistintos, formando uma síntese confusa capaz de evocar um sentimento de identidade grupal. Eis por que a Gestapo mandou apreender o livro de Eric Voegelin, História da Ideia de Raça (1933), um estudo científico sem qualquer apelo político: para funcionar como símbolo motivador da união nacional, o termo tinha de aparecer como a tradução imediata de uma realidade visível, não como aquilo que realmente era – o produto histórico de uma longa acumulação de pressupostos altamente questionáveis.
Do mesmo modo, o termo "fascismo", que cientificamente compreendido se aplica com bastante propriedade a muitos governos esquerdistas do Terceiro Mundo (v. A. James Gregor, The Ideology of Fascism, 1969, e Interpretations of Fascism, 1997), é usado pela esquerda como rótulo infamante para denegrir ideias tão estranhas ao fascismo como a liberdade de mercado, o anti-abortismo ou o ódio popular ao Mensalão.
Certa vez, num debate, ouvi um ilustre professor da USP exclamar "liberalismo é fascismo!". Gentilmente pedi que a criatura citasse um exemplo – unzinho só – de governo fascista que não praticasse um rígido controle estatal da economia. Não veio nenhum, é claro. A palavra "fascismo", na boca do distinto, não era o signo de uma ideia ou coisa: era uma palavra-gatilho, fabricada para despertar reações automáticas.
Deveria ser evidente à primeira vista que os termos usados no debate político e cultural raramente denotam coisas, objetos do mundo exterior, mas sim um amálgama de conjecturas, expectativas e preferências humanas; que, portanto, nenhum deles tem qualquer significado além do feixe de contradições e dificuldades que encerra, através das quais, e só através das quais, chegam a designar algo do mundo real. Você pode saber o que é um gato simplesmente olhando para um gato, mas "democracia", "liberdade", "direitos humanos", "igualdade", "reacionário", "preconceito", "discriminação", "extremismo" etc. são entidades que só existem na confrontação dialética de ideias, valores e atitudes. Quem quer que use essas palavras dando a impressão de que refletem realidades imediatas, não problemáticas, reconhecíveis à primeira vista, é um demagogo e charlatão.
Aquele que assim escreve ou fala não quer despertar em você a consciência de como as coisas se passam, mas apenas uma reação emocional favorável à pessoa dele, ao partido dele, aos interesses dele. É um traficante de entorpecentes posando de intelectual e professor.
A frequência com que as palavras-gatilho são usadas no debate nacional como símbolos de premissas autoprobantes, valores inquestionáveis e critérios infalíveis do certo e do errado já mostra que o mero conceito da atividade intelectual responsável desapareceu do horizonte mental das nossas "classes falantes", sendo substituído por sua caricatura publicitária e demagógica.
Como chegamos a esse estado de coisas? Investigá-lo é trabalhoso, mas não substancialmente complicado. É só rastrear o processo da "ocupação de espaços" na mídia, no ensino e nas instituições de cultura, que foi, pelo uso obsessivamente repetitivo de chavões, uniformizando a linguagem dos debates públicos e imantando de valores positivos ou negativos, atraentes ou repulsivos, um certo repertório de palavras que então passaram a ser utilizadas como gatilhos de reações automatizadas, uniformes, completamente predizíveis.
Se você é treinado para ter sempre as mesmas reações diante das mesmas palavras, acaba enxergando somente o que é capaz de dizer, e dificilmente consegue pensar diferente do que os donos do vocabulário o mandaram pensar.
Esse foi um dos principais mecanismos pelos quais a festiva "democratização" do Brasil acabou extinguindo, na prática, a possibilidade de qualquer debate substantivo sobre o que quer que seja

terça-feira, 5 de junho de 2012

Tudo que eu devia saber na vida aprendi no jardim-de-infância

Robert Fulghum
Tudo que eu preciso mesmo saber sobre como viver, o que fazer, e como ser, aprendi no jardim-de-infância. A sabedoria não estava no topo da montanha mais alta, no último ano de um curso superior, mas no tanque de areia do pátio da escolinha maternal.
Vejam o que aprendi:
- Dividir tudo com os companheiros.
- Jogar conforme as regras do jogo.
- Não bater em ninguém.
- Guardar os brinquedos onde os encontrava.
- Arrumar a “bagunça” que eu mesmo fazia.
- Não tocar no que não era meu.
- Pedir desculpas, se machucava alguém.
- Lavar as mãos antes de comer.
- Apertar a descarga da privada.
- Biscoito quente e leite frio fazem bem à saúde.
- Fazer de tudo um pouco – estudar, pensar e desenhar, pintar, cantar e dançar, brincar e trabalhar, de tudo um pouco, todos os dias.
- Tirar uma soneca todas as tardes.
- Ao sair pelo mundo, cuidado com o trânsito, ficar sempre de mãos dadas com o companheiro e sempre “de olho” na professora.
Pense na sementinha de feijão, plantada no copo de plástico: as raízes vão para baixo e para dentro, e a planta cresce para cima – ninguém sabe como ou por quê, mas a verdade é que nós também somos assim.
Peixes dourados, porquinhos-da-índia, esquilos, hamsters e até a semente no copinho plástico – tudo isso morre. Nós também. E lembre-se ainda dos livros de histórias infantis e da primeira palavra que você aprendeu, a mais importante de todas: Olhe! Tudo que você precisa mesmo saber está por aí, em algum lugar. A regra de ouro, o amor e os princípios de higiene. Ecologia e política, igualdade e vida saudável.
Escolha um desses itens e o elabore em termos sofisticados, em linguagem de adulto; depois aplique-o à vida de sua família, ao seu trabalho, à forma de governo de seu país, ao seu mundo, e verá que a verdade que ele contém mantém-se clara e firme. Pense o quanto o mundo seria melhor se todos nós – o mundo inteiro – fizéssemos um lanche de biscoitos com leite às três da tarde e depois nos deitássemos, sem a menor preocupação, cada um no seu colchãozinho, para uma soneca. Ou se todos os governos adotassem, como política básica, a idéia de recolocar as coisas nos lugares onde estavam quando foram retiradas; arrumar a “bagunça” que tivessem feito.
E é verdade, não importa quantos anos você tenha: ao sair pelo mundo, vá de mãos dadas, e fique sempre “de olho” no companheiro.
(Do livro Tudo que eu devia saber na vida aprendi no jardim-de-infância, de Robert Fulghum. Editora Bertrand Brasil.)

O futuro de nossa desilusão

O Brasil evolui pelo que perde e não pelo que ganha. Sempre houve no País uma desmontagem contínua de ilusões históricas. Este é nosso torto processo: com as ilusões perdidas, com a história em marcha à ré, estranhamente, andamos para a frente. O Brasil se descobre por subtração, não por soma. Chegaremos a uma vida social mais civilizada quando as ilusões chegarem ao ponto zero.
Por isso, acho muito boas as decepções recentes. Elas nos fazem avançar mesmo de lado, como siris-do-mangue. Por decepções, fomos aprendendo, ou melhor, desaprendendo.
Nos anos 60, "desaprendemos" a fé numa revolução mágica do 'povo', com a súbita irrupção dos militares. Nos anos 70, descremos do voluntarismo místico da contracultura e da guerrilha suicida.
Nos 80, com as dificuldades da restauração democrática, aprendemos com o tumor na barriga do Tancredo, com o homem da ditadura Sarney assumindo o Poder (sempre esse homem fatal...) e descobrimos que a democracia era "de boca" e ainda não estava entranhada em nossas instituições.
Nos anos 90, tivemos a preciosíssima desilusão com o Collor, aprendemos muito com seu fracasso. O impeachment foi um ponto luminoso em nossa formação e nos trouxe a fome pela organização de uma república democrática. FHC foi um parêntesis em nossa tradição presidencial, mas ele e nós nos desiludimos porque achávamos que a racionalidade seria bem recebida. Não foi. FHC só foi eleito pelo Plano Real; depois, a população não entendeu mais nada nem ele explicou. As importantes realizações de seu governo foram incompreensíveis para as massas: uma responsabilização maior da opinião pública, o fim do "finalismo", a recusa ao salvacionismo, a responsabilidade fiscal, as privatizações, as tentativas de reforma institucional e a sensatez macroeconômica.
De 2002 em diante, a importância da administração e das reformas internas ("neoliberais", claro) foi substituída pela truculência dos pelegos chegados ao poder. A verdade é que os petistas nunca acreditaram na "democracia burguesa"; como disse um intelectual da USP – "democracia é papo para enrolar o povo". Não entenderam com suas doenças infantis que a democracia não é um meio, mas um fim em si mesmo; ou melhor, até entendem, mas não a querem. Nada disso; tudo que construíram, com sua invejável fé militante, foi um novo patrimonialismo de Estado, com a desculpa de que "em vez de burgueses mamando na viúva, nós, do povo, nela mamaremos". E tudo isso em nome do raciocínio deslumbrado de Lula, lutando por si mesmo: "Eu sou do povo; logo, luto pelo povo". E assim, com teses de 100 anos atrás e com o narcisismo do Lula, voltou o formato do Brasil que o Plano Real e FHC tentaram interromper. Com suas alianças com a direita feudal, Lula revigorou o pior problema do País: o patrimonialismo endêmico.
Ou seja, nem a social-democracia de colarinho-branco nem a de macacão rolaram, porque o Brasil profundo resiste às ideias claras, à racionalidade, a qualquer vontade política generosa. Em nossa história, tudo vai devagar e só algumas migalhas frutificam. Nos últimos anos, tudo que aconteceu é muito mais o produto de influência econômica externa e da espantosa resistência colonial do Atraso, do que de nossos desejos. Somos filhos bastardos de um progresso que não planejamos.
A única revolução que se faria no Brasil seria o enxugamento de um Estado que come a nação, com gastos crescentes, inchado de privilégios e clientelismo, um Estado que não tem como investir e que leva a presidente a medidas paliativas. A única revolução seria administrativa, apontada na educação em massa, nas reformas institucionais, mas altos e baixos cleros não permitem, mesmo agora que a bolha do Brasil Bric ameaça explodir.
Estamos diante de um momento histórico gravíssimo, com os dois tumores gêmeos de nossa doença: a direita do atraso e a esquerda do atraso. Como escreveu Bobbio, se há uma coisa que une esquerda e direita é o ódio à democracia.
Esta crise é tão sintomática, tão exemplar para a mudança do País, que não pode ser desperdiçada pelos pensadores livres. É uma tomografia que mostra as glândulas, as secreções do corpo brasileiro - um diagnóstico completo. Este espasmo de verdade, esta brutal explosão de nossas vísceras talvez seja perdida, porque as manobras do atraso de direita e do atraso de esquerda trabalham unidos para que a mentira vença.
Agora estamos diante da cachoeira de descobertas sobre a conjunção carnal entre a coisa pública e privada. E vemos que só os verdadeiros corruptos conhecem profundamente a verdade nacional. Tudo que surgiu sobre nossa vida política nos foi revelado por dois malandros: o mensalão foi um presente de Roberto Jefferson à nossa opinião pública e a CPI veio pelos malfeitos de Cachoeira e Demóstenes. E tentando desmantelar as verdades descobertas está o ex-presidente, no exercício de seu cinismo egoísta e ambicioso, pensando apenas em sua imagem no futuro.
Além disso, vivemos em suspense diante de nossa fragilidade jurídica: um ministro do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, segura o processo do mensalão sem prazo de entrega. Por teimosia ou caturrice ou sabemos lá por quê, ele se arrisca a ser o responsável pela desmoralização do STF.
Mas, assim mesmo, com o engarrafamento dos escândalos, tem havido um avanço em nossa consciência crítica. Estamos bem menos "alienados". E, por mais que se destruam as instituições, as conquistas da democracia não vão sumir, por conta da maior complexidade da economia e da política, que a abertura permitiu. Estamos mais desiludidos, porém mais sábios.
Que falta desaprender agora, para chegarmos ao futuro de uma desilusão?

Indústria

domingo, 3 de junho de 2012

O vilão e o bastão

Antônio Machado de Carvalho (Do Jornal O Tempo, 31/05/2012)
Com o refinamento de um velho professor, melhor dizendo, de um professor doutor em trapalhadas e malfeitorias (reconhecido, até, como Honoris Causa por respeitáveis Universidades), o ex-presidente Luiz Inácio da Silva resolveu recentemente, e mais outra vez, fazer aquilo que sabe melhor: achincalhar a Constituição, as Leis e as Instituições, bases sobre as quais se assenta nosso Estado Democrático de Direito, numa peita inaceitável ao Ministro Gilmar Mendes, visando melar o julgamento pelo STF do mensalão, obra prima do governo Lula. Para seus padrões, nada de inusitado haveria em seu comportamento. Causaria espanto se fosse o contrário. Compostura, de fato, não é o seu forte.
Nem nos episódicos dias em que esteve detido, ainda no governo militar, ele soube se haver com decência. O estupro, real ou tentado, de um jovem que compartilhava com ele a prisão  o notório caso do “menino do MEP”  não foi esquecido pelos homens de bem. O sátiro predador de viuvinhas de sindicato não tinha pejo de se lançar contra qualquer pessoa que lhe acicatasse a libido, em crua e extremada falta de limites e de respeito às interdições sociais. Não se deve minimizar, igualmente, a bem da verdade, que seu partido  o PT  guardava, e guarda, coerência e fina sintonia com seu líder maior. Tanto é que deliberou, naqueles já distantes idos de 1988, em não reconhecer, e não assinar, a nova Constituição Federal para cuja elaboração fora eleito o então deputado Inácio da Silva. Aliás, aqueles que de alguma maneira acompanham o dia-a-dia da política nacional não encontrarão, nestas mais de duas décadas transcorridas, qualquer declaração do ex-presidente no sentido de defesa da Carta Magna.
Mas o melhor de suas manifestações, ou o pior, para ser mais exato, foram suas avaliações sobre membros do STF (por ocasião de seu incrível encontro com o ministro Gilmar Mendes na casa do ex-ministro Nelson Jobim), ao imaginá-los subalternos e submissos a seus patronos de nomeação para o pretório excelso. Lula tentou apequenar os ilustres ministros Ayres de Brito e Carmem Lúcia de maneira tosca e grosseira, usando um metro à sua imagem e semelhança. Os ministros Tóffoli e Levandowski foram referidos por ele como se fossem meninos de recado. Suas aleivosias contra o ministro Joaquim Barbosa, no entanto, tangenciam a injúria e a difamação, ao tachá-lo de “traidor” e “complexado”. Este último adjetivo, esclareça-se, é uma tradução popularesca do conceito de ressentimento. Ressentido, vejamos, por qual razão? Por ser negro? Homem cioso de si, de seu valor intelectual, de suas origens e de suas conquistas pessoais, o ministro Joaquim Barbosa pode ser tudo, menos ressentido. É uma psicologia barata, a que povoa o imaginário de Luiz Inácio da Silva. Ela não se confunde, todavia, com ditados hauridos da sabedoria popular, e que são o seu perfeito retrato: se quer conhecer o vilão, “basta lhe dar o bastão!”.

sábado, 2 de junho de 2012

Paciência - Elza Soares

Remédio caseiro

Um sujeito vai ao médico para exames de rotina.
O médico, depois de ver a história clínica do paciente, pergunta:
– Fuma?
– Pouco.
– Tem que parar de fumar.
– Bebe?
– Pouco.
– Tem que parar de beber.
– Faz sexo?
– Pouco.
– Tem que fazer muito, mas muito sexo. Este é o único remédio que irá ajudá-lo!
O sujeito vai para casa, conta tudo a mulher e, imediatamente, vai pro banho.
A mulher se enche de graça e esperança, se enfeita, se perfuma, põe roupa especial e fica na espera.
O sujeito sai do banho, começa a se arrumar, se vestir, se perfumar e a mulher surpresa, pergunta:
– Aonde é que você pensa que vai?
– Não ouviu e entendeu o que o médico me disse?
– Sim, mas aqui estou eu, prontinha...
O sujeito:
– Ah, Neide, Neide, Neide... lá vem você com sua mania de remédio caseiro!!!

sexta-feira, 1 de junho de 2012

A cidade centenária


Uma vez eu fiz, por encomenda,
tolo verso que colheram
sem dar-lhe o crédito,
por pressuposto servir ao hábito
bem ao gosto do empréstimo:
Divinópolis
é um pouco de Assis,
franciscana, feliz.
Livres eram intenção e gesto:
longes tempos aqueles, de outro matiz,
sem tanto meio-fio, árvore, faixa e poste
caiados fantasmas na contracorrente
da cidade que ora aparece
maquiada a risco de giz.
Hoje, com tanta homenagem maquetada
quando ao distrato social
tanto se baixa a cerviz,
empresto à memória paisana
um verso trivial: 
Divinópolis,
além de tudo,
nada diz.
A cidade calada
dorme sono centenário.
O silêncio velando nos batentes
as aparências do silêncio secular
construído sobre os pilares
de ilusões e mentiras varridas
para debaixo dos esburacados tapetes de asfalto,
para além do portal que leva
nada a nenhum lugar.
A cidade – a que se recusa a falar –,
é a mesma que não emudece
porque mudamente há de mudar
(algumas crianças já gritam na avenida)
sob o arquitetado semblante das omissões,
das suspicácias, emblemas, falácias,
as fatuidades com que lhe brandem hinários
em vãs tentativas de cobrir
insustentáveis visíveis vazios,
as inércias das estruturas.
Essa cidade, mudamente, depõe
sobre os ombros de sua gente
escombros de secular ruína e desídias
 – com as exceções de praxe –
a fazer ouvir-se menos, mais baixo,
quanto mais deitam a falar
as glórias vãs do passado
e as enganosas promessas
do presente.
Jamais, porém, cantou-se tanto
a cidade. Muda,
deitada divinamente
em berço esplêndido,
ao modo solerte de toda a pátria,
essa também patriazinha amada – cidade
minha, cidadezinha,
que desperte daqui a cem anos, talvez,
com um abraço de desorgulho
e um beijo de desencanto.