sexta-feira, 1 de junho de 2012

A cidade centenária


Uma vez eu fiz, por encomenda,
tolo verso que colheram
sem dar-lhe o crédito,
por pressuposto servir ao hábito
bem ao gosto do empréstimo:
Divinópolis
é um pouco de Assis,
franciscana, feliz.
Livres eram intenção e gesto:
longes tempos aqueles, de outro matiz,
sem tanto meio-fio, árvore, faixa e poste
caiados fantasmas na contracorrente
da cidade que ora aparece
maquiada a risco de giz.
Hoje, com tanta homenagem maquetada
quando ao distrato social
tanto se baixa a cerviz,
empresto à memória paisana
um verso trivial: 
Divinópolis,
além de tudo,
nada diz.
A cidade calada
dorme sono centenário.
O silêncio velando nos batentes
as aparências do silêncio secular
construído sobre os pilares
de ilusões e mentiras varridas
para debaixo dos esburacados tapetes de asfalto,
para além do portal que leva
nada a nenhum lugar.
A cidade – a que se recusa a falar –,
é a mesma que não emudece
porque mudamente há de mudar
(algumas crianças já gritam na avenida)
sob o arquitetado semblante das omissões,
das suspicácias, emblemas, falácias,
as fatuidades com que lhe brandem hinários
em vãs tentativas de cobrir
insustentáveis visíveis vazios,
as inércias das estruturas.
Essa cidade, mudamente, depõe
sobre os ombros de sua gente
escombros de secular ruína e desídias
 – com as exceções de praxe –
a fazer ouvir-se menos, mais baixo,
quanto mais deitam a falar
as glórias vãs do passado
e as enganosas promessas
do presente.
Jamais, porém, cantou-se tanto
a cidade. Muda,
deitada divinamente
em berço esplêndido,
ao modo solerte de toda a pátria,
essa também patriazinha amada – cidade
minha, cidadezinha,
que desperte daqui a cem anos, talvez,
com um abraço de desorgulho
e um beijo de desencanto.

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