quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

O presente

Nunca nos detemos no momento presente. Antecipamos o futuro que nos tarda, como para lhe apressar o curso; ou evocamos o passado que nos foge, como para o deter: tão imprudentes, que andamos errando nos tempos que não são nossos, e não pensamos no único que nos pertence; e tão vãos, que pensamos naqueles que não são nada, e deixamos escapar sem reflexão o único que subsiste. É que o presente, em geral, fere-nos. Escondemo-lo à nossa vista porque nos aflige; e se nos é agradável, lamentamos vê-lo fugir. Tentamos segurá-lo pelo futuro, e pensamos em dispor as coisas que não estão na nossa mão, para um tempo a que não temos garantia alguma de chegar.
Examine cada um os seus pensamentos, e há-de encontrá-los todos ocupados no passado ou no futuro. Quase não pensamos no presente; e, se pensamos, é apenas para à luz dele dispormos o futuro. Nunca o presente é o nosso fim: o passado e o presente são meios, o fim é o futuro. Assim, nunca vivemos, mas esperamos viver; e, preparando-nos sempre para ser felizes, é inevitável que nunca o sejamos.
[Blaise Pascal (1623-1662), in “Pensamentos”]

sábado, 22 de dezembro de 2012

Em causa própria?

Do baú de assombros da República Bananeira salta a cada hora um espanto em meio à privação do sentido da vergonha.
Tome mais este: o deputado federal Domingos Dutra, do PT do Maranhão, é autor de um projeto de lei que cria o Estatuto Penitenciário Nacional.
Caso aprovada, a matéria cria a cadeia cinco estrelas: os presos teriam direito a banho quente em locais frios, cela com calefação, academia de ginástica, material de higiene pessoal como desodorante, xampu, condicionador, hidratante de pele e até camisinha. Além disso, uma equipe de médicos teria que morar em presídios ou próximo a eles.
Um dos 119 artigos da proposta mantém direitos políticos dos detentos e acesso a jornais, rádio e TV a cabo. Para completar, o petista sugere a criação do Dia do Encarcerado, em 25 de junho.
Parece inesgotável a capacidade petralha de promover vigarices com o dinheiro público. Assombrações do naipe desse projeto só podem, com certeza, contemplar a eventual, futura probabilidade de ver mais ‘cumpanhêro’ no xilindró.
Para facilitar as coisas, o petista deveria ser mais ousado e declarar logo no projeto: “O legal é ser bandido. Revogam-se as disposições em contrário.”
Só mesmo invocando Barbosa, o Rui: “De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça. De tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto.”
P.S.: E antes que apareça algum indigitado aqui a arrotar proselitismos: cumprir pena com o mínimo de dignidade é uma coisa; desfrute é outra.

Roubar pelo povo

Carlos Alberto Sardenberg
Intelectuais ligados ao PT estão flertando com uma nova tese para lidar com o mensalão e outros episódios do tipo: seria inevitável, e até mesmo necessário, roubar para fazer um bom governo popular.
Trata-se de uma clara resposta ao peso dos fatos. Tirante os condenados, seus amigos dedicados e os xiitas, ninguém com um mínimo de tirocínio sente-se confortável com aquela história da “farsa da mídia e do Judiciário”.
Se, ao contrário, está provado que o dinheiro público foi roubado e que apoios políticos foram comprados, com dinheiro público, restam duas opções: ou desembarcar de um projeto heroico que virou bandidagem ou, bem, aderir à tese de que todo governo rouba, mas os de esquerda roubam menos e o fazem para incluir os pobres.
Vimos duas manifestações recentes dessa suposta nova teoria. Na “Folha”, Fernanda Torres, em defesa de José Dirceu, buscou inspiração em Shakespeare para especular: talvez seja impossível governar sem violar a lei.
No “Valor”, Renato Janine Ribeiro escreveu duas colunas para concluir: comunistas revolucionários não roubam; esquerdistas reformistas roubam quando chegam ao governo, mas “talvez” tenham de fazer isso para garantir as políticas de inclusão social.
Tirante a falsa sofisticação teórica, trata-se da atualização de coisa muito velha. Sim, o leitor adivinhou: o pessoal está recuperando o “rouba mas faz”, criado pelos ademaristas nos anos 50. Agora é o “rouba mas distribui”.
Nem é tão surpreendente assim. Ainda no período eleitoral recente, Marilena Chauí havia colocado Maluf no rol dos prefeitos paulistanos realizadores de obras, no grupo de Faria Lima, e fora da turma dos ladrões.
Fica assim, pois: José Dirceu não é corrupto, nem quadrilheiro – mas participou da corrupção e da quadrilha porque, se não o fizesse, não haveria como aplicar o programa popular do PT.
Como se chega a esse incrível quebra-galho teórico? Fernanda Torres oferece uma pista quando comenta que o PT se toma como o partido do povo brasileiro. Ora, segue-se, se as elites são um bando de ladrões agindo contra o povo, qual o problema de roubar “a favor do povo”?
Renato Janine Ribeiro trabalha na mesma tese, acrescentando casos de governos de esquerda bem-sucedidos, e corruptos. Não fica claro se são bem-sucedidos “apesar” de corruptos ou, ao contrário, por serem corruptos. Mas é para esta última tese que o autor se inclina.
Não faz sentido, claro. Começa que não é verdade que todo governo conservador é contra o povo e corrupto.
Thatcher e Reagan, exemplos máximos da direita, não roubavam e trouxeram grande prosperidade e bem-estar a seus povos.
Aqui entre nós, e para ir fundo, Castello Branco e Médici também não roubavam e suas administrações trouxeram crescimento e renda.
Por outro lado, o PT não é o povo. Representa parte do povo, a majoritária nas últimas três eleições presidenciais. Mas, atenção, jamais ganhou no primeiro turno e os adversários sempre fizeram ao menos 40%. E no primeiro turno de 2010, Serra e Marina fizeram 53% dos votos.
Por isso, nas democracias o governo não pode tudo, tem que respeitar a minoria e isso se faz pelo respeito às leis, que incluem a proibição de roubar. E pelo respeito à opinião pública, expressa, entre outros meios, pela imprensa livre.
Por não tolerar essas limitações, os partidos autoritários, à direita e à esquerda, impõem ou tentam impor ditaduras, explícitas ou disfarçadas. Acham que, por serem a expressão legítima do povo, podem tudo.
Assim, caímos de novo em velha tese: os fins justificam os meios, roubar e assassinar.
Renato Janine Ribeiro diz que os regimes comunistas cometeram o pecado da extrema violência física, eliminando milhões de pessoas. Mas eram eticamente puros, sustenta: gostavam de limusines e dachas, mas não colocavam dinheiro público no bolso. (A propósito, anotem aí: isto é uma prévia para uma eventual defesa de Lula, quando começam a aparecer sinais de que o ex-presidente e sua família abusaram de mordomias mais do que se sabe).
Quanto aos comunistas, dizemos nós, não eram “puros” por virtude, mas por impossibilidade. Não havia propriedade privada, de maneira que os corruptos não tinham como construir patrimônios pessoais. Roubavam dinheiro de bolso e se reservavam parte do aparelho do estado, enquanto o povo que representavam passava fome. Puros?
Reparem: na China, misto de comunismo e capitalismo, os líderes e suas famílias amealharam, sim, grandes fortunas pessoais.
Voltando ao nosso caso brasileiro, vamos falar francamente: ninguém precisa ser ladrão de dinheiro público para distribuir Bolsa Família e aumentar o salário mínimo.
Querem tudo?
Dilma consegue aprovar a MP que garante uma queda na conta de luz. O Operador Nacional do Sistema Elétrico diz que haverá mais apagões porque não há como evitá-los sem investimentos que exigiriam tarifas mais caras.
Ou seja, a conta será mais barata, em compensação vai faltar luz.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Olha para o céu!

Veio de Laura o cartão desejando feliz aniversário.
E veio com a foto do alinhamento dos planetas Mercúrio, Vênus e Saturno sobre as pirâmides de Gizé, que acontece no céu de hoje, 3 de dezembro.
O fato não havia me chamado a atenção.
Mas leio sobre o assunto e fico informado, com pompa e circunstância telescópicas de um website plunct-plact-zum que não deixa a imaginação ir a lugar nenhum, de que o fenômeno é uma sizígia.
Uma sizígia ocorre quando três ou mais corpos celestes de um mesmo sistema gravitacional se alinham.
Mais um site informa que este alinhamento planetário com as pirâmides de Gizé acontece a cada 2.737 anos.  
Outro diz que tal equilíbrio dos astros não é uma imagem realista. 
Outro ainda, astrônomo profissa, faz tábula rasa dessa configuração. Esquadrinha cálculos, coordenadas geográficas, esmiuça photoshops e, todo racional, declara solene que tudo não passa de crença new age. Afinal, a depender de nossa perspectiva, existe sempre alguma coisa alinhada no céu sobre algo na Terra.  
Outros enxergam nos planetas alinhados com as três pirâmides um significado espiritual, associam com prenúncios do calendário maia, vasculham, mais que o firmamento, o pensamento mágico.
Eu? Repito a palavra sizígia, ao mesmo tempo em que me recordo de um livro, Olha para o céu, Frederico!, lido na passagem do cometa juventude.
Sizígia, sizígia. Vem à memória um poema que há muito escrevi com essa mesma palavra. É um desses poemas que dorme eternamente no berço esplêndido das gavetas, de um tempo quando eu olhava para o céu querendo ver mais que estrelas. E apontava sem medo de verrugas no dedo para um lugar conhecido (eu sei), cujo verdadeiro nome não sei, não sei.  
Ora leio o cartão e nem me interessam as controvérsias astronômicas, científicas, místicas, apocalípticas, o alinhamento ou o desalinho dos corpos celestes. Nem se raras são – ou não – as conjunções celestiais. Nem as coincidências – inescapáveis ou não, visíveis ou não – que do céu gravitam, pesam sobre mim. Sobre nós.
Nem me interessa qualquer certeza que derrube com assombro exemplar, se tem explicação, não tem, não tem, a vida que arde, como diz o verso da canção.
Mas a imagem dos planetas sobre as pirâmides me fez, sim, olhar para o céu, fez pensar que um acontecimento nas órbitas planetárias é um belo cartão postal para uma data, qualquer data. 
E pensar que em todo o mundo, movendo crenças, com esguelha cética ou com a corriqueira, benfazeja esperança, muita gente ainda olha para o céu, tentada a ver algo muito além de estrelas.