sábado, 19 de abril de 2014

A perda e o perdão

O amor não é medida de perdão, nem o perdão medida de amor. Nem isso é um jogo de palavras porque existe medida para tudo: o amor, o perdão, o jogo e as palavras. E medida para o amor próprio ou a falta de! Tem até um filminho água com açúcar aí dos anos 70, Love Story, famoso por uma fala da personagem: “Amar é não ter jamais que pedir perdão.” Há amores inexigentes, ceguinhos de dar dó, que mais não são que uma faceta do auto-engano. E auto-engano pode até fazer a vida mais coloridinha, menos dolorosa e dolosa. Pode ser por aí que pensava o escritor Nelson Rodrigues, quando disse pra gente não se apressar em perdoar que misericórdia também corrompe. Vicia. Tira a relevância e o significado do próprio perdão.
Pedir perdão – e perdoar a si mesmo – , então, é com certeza mais díficil que oferecer a outra face, perdoar setenta vezes sete. Mais ainda que simular compaixão para conquistar simpatias (ou vice-versa, convenientemente), para fazer políticas de boa vizinhança, evitar constrangimentos ou arrogar-se uma altivez de caráter mais inclemente do que a própria falta de perdão.
Nem o perdão é como uma bênção ou dádiva que só mesmo o gesto muito sublime de quem perdoa poderia conceder. Quem perdoa pode até fazê-lo por orgulho, para “dar um tapa de luvas”, pode fingir esquecer.
Perdoar é, de certo modo, o mesmo que cancelar. Por exemplo, quando se perdoa a alguém uma dívida em dinheiro. No sentido bíblico, é libertar a pessoa de seu erro ou pecado. Não se trata de desculpa nem esquecimento, mas de uma remissão que devolve, à pessoa perdoada, a culpa sobre seu comportamento, suas atitudes. Sua responsabilidade sobre um outro, novo caminho a seguir para não reincidir no erro nem na mesma culpa.
Não que seja a culpa um erro, mas, sim, a falta de culpa, de questionar-se e culpar-se para chegar ao perdão de si mesmo. E de outros. Não apenas para aliviar-se ou livrar-se de uma punição. Uma punição que de nada adianta se o indivíduo não reconhece a culpa, porque recusa ou é incapaz de fazer autojulgamento.
Estamos no sábado de Páscoa, tempo de vida nova no perdão. Assim o celebram, nessa Terra de Santa Cruz, com feriado prolongado, ovos de chocolate, cerveja e churrasco, o perdão tantas vezes expiado na mea culpa da boca pra fora, na conveniência ou na conivência simplesmente. Ou no esquecimento – ingênuo, inconsciente ou voluntário – das nossas pequenas (e grandes) contravenções cotidianas.
É Páscoa no Brasil, onde palavras como julgamento, impunidade, culpa e perdão se confundem numa geleia amarga de maus juízos e na falta de juízo. Na falta de juízes também. Não aqueles, togados, de quem se espera as mais lídimas e redentoras sentenças sob o rótulo de Justiça dos Tribunais. Não daqueles de quem se possa dizer ‘herói’ porque cumpriu seu dever, como se viu na [quase] canonização em vida do ministro Joaquim Barbosa, por uma respeitável parcela de brasileiros que apostam no triunfo da justiça contra a impunidade, a ponto de pleitear-se a candidatura do juiz da Suprema Corte à presidência da república. Como se fôra ele um messias, um salvador da pátria. Como se de um homem dependesse o destino de todos. Seria preciso então um Joaquim em cada esquina!
Joaquim, nome de origem hebraica, significa: o que possui elevação. É exatamente elevação o que falta, quando a falta de juízo sucumbe à alienação e à hipocrisia, à falta de esperança e de amor à verdade, ao não reconhecimento da própria culpa, pessoal e instransferível, por todo esse estado de coisas, sim, no país.  
É de se pensar, se a maioria dos brasileiros possuíssem a necessária elevação da sua consciência à capacidade de autojulgamento e, portanto, de perdoar-se e redimir-se da sua culpa por suas más escolhas. Ou porque, ainda que não cometam crimes ou contravenções, também nada façam para impedi-los de acontecer e se repetir. A quantas poderiam elevar esse país, com mais juízo, porque juízes de si próprios!
Quem é mais ladrão: o político que rouba ou o eleitor que nele vota?  Vale pensar que, há mais de dois mil anos, entre o justo e o ladrão, sobre quem recaiu a escolha. Conta-se até que um ladrão foi redimido no momento final da morte do Justo, crucificado na representação viva de tão terrível destino humano. Conta-se. Embora, neste mesmo momento, nada se tenha declarado daqueles que, por ação ou omissão, permitem ao criminoso voltar sempre ao local do crime, ao delito. Nem seria preciso dizê-lo, uma vez subentendida, no perdão, a culpa dos receptadores do fruto do roubo, dos que aceitam a prática e a reincidência do crime porque tentam se lavar da culpa de que “os fins justificam os meios”.   
É de Martin Luther King a ideia de que “o perdão é um catalisador que cria a ambiência necessária para uma nova partida, para um reinício." É redentora a ideia de perdão associado a uma ‘nova partida’. Como um jogador que perde o lance, a chance do gol, não tem fair play e amarga uma derrota. É uma perda enorme, para ele, o time, a torcida. Portanto, um perdão. Mas que esteja disposto, o jogador, a recomeçar. E, desta vez, recomeçar melhor porque reconheceu sua culpa.
Nisso, porém, é que o jogo político no Brasil esbarra em degradantes perdões. A partida recomeça, com os mesmos jogadores em campo atuando sem a menor culpa nem responsabilidade, sob a euforia ou o apupo de torcedores que mais enganam a si mesmos do que são enganados pelo juiz ladrão e, mais ainda, pelos seus idolatrados maus jogadores. Estes, reeleitos, são novamente escalados para continuarem o jogo sujo. Não sentem culpa, responsabilidade, remorso. Por isso, qualquer punição para eles não tem objetivo, não lhes causa efeito moral ou prejuízo.
Sim, a questão é de ordem ética, moral. Mas é também um tanto da falta de amor próprio que induz à negativa da culpa e da responsabilidade por parte de consciências – se assim se pode dizê-las – tão cheias de nada e vazias de tudo. Que induzem ao comportamento delinquente na contrafação reeditada de um velho dito: quem vota em ladrão tem cem anos de perdão. Assim é que grandes, irreparáveis perdas se repetem, sem remissão. Porque nem eleitos nem eleitores se sentem culpados e responsáveis, mas confortáveis com as punições inócuas que não lhes pesam, porque destituídas da culpa e desse sentido de perdão – de perda – que os incapacitam de recomeçar, fazer nova partida.
Assim perdemos todos e não tem como se lhes perdoem. Porque, sim, eles sabem o que fazem.

quarta-feira, 16 de abril de 2014

Até onde você iria por um sonho? Ou: ele viu e conta aquilo que milhões de cegos voluntários se recusam a ouvir

Até aonde você iria por um sonho? O jornalista dinamarquês Mikkel Jensen desejava cobrir a Copa do Mundo no Brasil, o "país do futebol". Preparou-se bem: estudou português, pesquisou sobre o país e veio para cá em setembro de 2013.
Mikkel Jensen: ele viu
o que muitos fingem não ver (T.Ceará)
Em meio a uma onda de críticas e análises de fora sobre os problemas sociais do Brasil, Mikkel quis registrar a realidade daqui e divulgar depois. A missão era, além de mostrar o lado belo, conhecer o ruim do país que sediará a Copa do Mundo. Tendo em vista isso, entrevistou várias crianças que moram em comunidades ou nas ruas.
Em março de 2014, ele veio para Fortaleza, a cidade-sede mais violenta, com base em estatísticas da Organização das Nações Unidas (ONU). Ao conhecer a realidade local, o jornalista se decepcionou. "Eu descobri que todos os projetos e mudanças são por causa de pessoas como eu – um gringo – e também uma parte da imprensa internacional. Eu sou um cara usado para impressionar".
Descobriu a corrupção, a remoção de pessoas, o fechamento de projetos sociais nas comunidades. E ainda fez acusações sérias. "Falei com algumas pessoas que me colocaram em contato com crianças da rua e fiquei sabendo que algumas estão desaparecidas. Muitas vezes, são mortas quando estão dormindo à noite em área com muitos turistas. Por quê? Para deixar a cidade limpa para os gringos e a imprensa internacional? Por causa de mim?".
Desistiu das belas praias e do sol o ano inteiro. Voltou para a Dinamarca na segunda-feira (14). O medo foi notícia em seu país, tendo grande repercussão. Acredita que somente com educação e respeito é que as coisas vão mudar. "Assim, talvez, em 20 anos [os ricos] não precisem colocar vidro à prova de balas nas janelas". E para Fortaleza, ou para o Brasil, talvez não volte mais. Quem sabe?
Leia na íntegra o depoimento, aqui, na reportagem de Hayanne Narlla, da Tribuna do Ceará.

sábado, 12 de abril de 2014

Olha quem está falando

Assista ao vídeo:
Conhece o excelência aí acima? É o deputado José Guimarães, líder do PT no Congresso. Não se lembra?
Ele é irmão de José Genoíno, réu condenado do mensalão que cumpre pena no presídio da Papuda. Ficou conhecido quando seu assessor foi flagrado no aeroporto de São Paulo, em 2005, com 100 mil dólares mocados na cueca.
Agora, tão distinta figura vem a público dizer que, após a eleição (presunçoso de que Dilma Rousseff está reeleita, note!), o PT decretará a censura à imprensa, com o apelido de “controle social da mídia”.
E precisa? A imprensa brasileira, com meritórias exceções, já está mais do que rarefeita e pianinha de joelhos nesse tempo trevoso do comunismo que pesa sobre o país, a par da rede de blogues sabujos financiados com dinheiro público. É uma mídia acéfala, anelídea, sanguessuga. Até porque se estimular as gentes desse país a pensar, já viu, vai rolar muita cabeça oca, mas coroada, e muito protista aí vai morrer de fome, afogado na baba da própria idiotia.
O próprio Lula não se cansa, renitente e falacioso, de espalhar que a mídia é culpada não só pelo mensalão como, aliás, de tudo de podre neste país, como se fosse o sintoma a causa da doença.
Como toda censura deixa de fora um rabo de verdade que esse PT por mais que tente não consegue esconder, então, vai que haja mais rabos cuecas espalhadas por aí, não é mesmo?
Ao invés de se ocupar com censura, essa galera tinha era de fazer auto-centura. Cuidar ligeirinho de faxinar o poleiro de urubu da ingovernança em que transformou o Brasil. Preocupar-se com isso e, mais, com o camburão que, de repente, pode bater à porta.

domingo, 6 de abril de 2014

Piedade

Consta que na obra Pietá, do ano de 1499, uma das mais famosas de suas esculturas em mármore, o italiano Michelangelo (1475-1564) abandonou o realismo cruel da dor de Maria com o filho morto no colo. O artista buscou, na pureza da forma, sublimar a dor daquele momento com um semblante de nobre resignação e incorruptível beleza nas expressões da Mãe Dolorosa.
No Brasil, 515 anos depois da conclusão da obra de Michelangelo, no país da Copa da Fifa de 2014, o qual, dizem, tirou não sei quantos milhões de gentes da pobreza, a 'mão invísivel' da incompetência, da corrupção, da omissão e do desprezo do Estado para com seus cidadãos esculpe, diariamente, a mesma cena. Sem nenhum traço de arte ou de piedade que sirva, ao menos, de esperança ou de consolo nessa Pátria Mãe Gentil.

O filho, com os documentos na boca, segura o pai no colo enquanto espera atendimento sem ter a maca para apoiá-lo. A foto foi tirada na cidade de São Gonçalo, RJ.  (Crédito: Peter Costa, Suboficial R1, Vice-Presidente da Associação Nacional dos Militares do Brasil)
Ah... e antes que venham com aquela bazófia de “hospital padrão Fifa”: se fosse um hospital minimamente digno, já seria de humano e bom tamanho!

Ufa! Nem só de notícias ruins vive o Brasil...

...ainda existem as péssimas!
– Brasil é o pior em retorno de impostos à população...
– Alunos brasileiros estão entre os piores no ranking de raciocício e lógica...
– Brasil tem 16 das 50 cidades mais violentas do mundo...
– Brasil é o último no ranking do sistema de saúde...
– Brasil está na lista dos piores blecautes...
– Brasil fica distante dos primeiros nos rankings que medem renda ‘per capita’ e competitividade...
– Brasil está entre os piores do mundo em saneamento básico...
– No ranking do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) o Brasil segue... estagnado em 85º lugar...
– No Brasil ocorrem 50 mil homicídios todo ano (isto, segundo a estatística oficial da ONU, porque, convenhamos, quem mata não faz selfie e sai por aí contando pra todo mundo, né?), o equivalente a três guerras do Iraque por ano...
– Brasil tem as piores conexões de internet e lidera o ranking do Google com ordens para censuar conteúdos...
Basta digitar esses tópicos em uma rápida busca na internet, neste mesmo censurado Google, e você poderá informar-se sobre os fatos acima. Mas não é nada que assuste, amedronte ou cause indignação: tudo é apenas evidência de que a 7ª economia do mundo melhorou muito na última década e progride velozmente rumo ao atraso.
Pô!, e tem solução? Mas a pergunta que você se deve fazer não é essa, e sim esta: eu quero solução e tenho algo a ver com esse estado de coisas? Se sua resposta for afirmativa, olhe-se no espelho antes de ir às urnas eleitorais!