quinta-feira, 24 de outubro de 2013

A nova pois era do pré-sal

Ela e a turma da jornalice financiada com dinheiro do público bocó bem que tentaram dar à coisa o nome de “partilha”. Mas dê-se o apelido que quiser, com tintas encarnadas o fato é que Dilma Rousseff do PT privatizou o petróleo do pré-sal e ponto.
Na privatização do campo de Libra, o arremate do leilão a entrega a um consórcio único foi literalmente um negócio da China para a empresa estatal Chinese General Nuclear Power Group, associada com a francesa Total e a anglo-holandesa Shell, com participação da Petrobras. A China, já fortemente atuante no mercado de energia – de todo tipo e não só do petróleo –, sai ainda mais fortalecida no imperalismo do setor.
Enquanto o resto do mundo desenvolvido se move na busca por outras fontes de energia, no Brasil se anuncia o prodígio dos falsos milagres. Arrota-se por aí que o dinheiro será aplicado em educação e saúde como se, de repente, fosse chover dinheiro nessas hortas. Mais fácil é chover dinheiro nas hordas. A grana do petróleo gotejará ao longo dos anos, não virá em barris extraídos na hora.
Descontadas as maminhas e mamatas que vão pelo fundo do poço, se o futuro é incerto com as dificuldades do presente com inflação e tudo, [quase] mais incertas são as projeções. A mais óbvia é que nada se resolverá com propagandas (caras e inúteis, como aquela financiada pela Petrobras para fazer cápsulas do tempo com mensagens dos brasileiros, levá-las à região do pré-sal e desenterrar daqui a dez anos). Muito menos com o cinismo do marketing político-eleitoreiro já prospectado para 2014. Fica aí a mensagem, não precisa enterrar.
O Brasil já gasta muito – e mal – com educação e o resultado é a distribuição de diploma a um contigente absurdo de analfabetos funcionais. Que, não bastasse, são também analfabetos políticos que votam como apostadores de um bolão do final de uma telenovela. Na saúde, melhor pegar com Deus para o alívio dos enfermos e o livramento das almas.  
Mas tudo indica que vem aí uma nova era. Quando passar o carnaval, rasgada a fantasia petista da república sindicalizada, fatalmente virá a razão cobrar a fatura. É!... Pois era.

Uma de duas: gambás

Uma:
Quase metade dos deputados federais que integram os dois novos partidos criados neste ano são alvo de investigações criminais no STF (Supremo Tribunal Federal).
Dos 44 nomes do Pros e do Solidariedade (SDD), 20 respondem a inquéritos ou ações penais no STF – única corte a julgar crimes de deputados.
O SDD tem mais suspeitos: 13, contra 7 do Pros.
A proporção de deputados das novas siglas com pendências na Justiça (45%) supera a média da Câmara (37%) apurada pelo site Congresso em Foco (leia mais).
Duas:
O presidente do PT, Rui Falcão, reuniu-se na tarde desta quarta-feira com o comando do recém-criado PROS e ouviu que a tendência da nova sigla é apoiar a reeleição da presidente Dilma Rousseff.
O PROS atraiu 17 deputados federais e negocia a formação de um bloco com o PP, o que o transformaria na terceira maior bancada da Câmara.
“A ideia do governo é fazer uma reforma ministerial em dezembro. Se o PROS for chamado a contribuir com a administração, tem quadros a oferecer”, afirmou o líder do partido na Câmara, deputado Givaldo Carimbão, que participou da reunião com o presidente do PT. (Leia mais).
Comento: Como há várias modalidades de mensalão e no Brasil o prontuário criminal é apenas o pré-requisito para ingresso na carreira política...

Novilíngua

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Kamã

Meu cachorro adora música.
Janis Joplin, Bob Dylan, Padre Zezinho.
Tem também uns sambinhas de Vinicius de Moraes e Bebel Gilberto que ele curte pra caramba.
Adora Kozmic Blues, da Janis. E mais: Adeus Maria Fulô, com Marina de La Riva e Águas de Março, com Zé Ramalho e Tetê Espíndola. Reality Check, de Stigmato; Young Folks, de Peter Bjorn and John.
Mas Things Have Changed e Hurricane, do Dylan, são as músicas prediletas dele. E, claro, curte Aretha Franklin. Tem apuro musical, seletivo, e nisso posso dizer que é mais gente que muito bípede falante com polegar opositor que anda macaqueando por aí.
Basta pôr o CD pra tocar que ele fica sentado lá no sofá ou perto do som, uivando. Às vezes chega a cabeça perto da caixa de som, como se assim quisesse ouvir melhor, farejando de onde vem a música.
Nessas horas, acho, não fica uivando, mas cantando – eu imagino.
Parece um tenor canino.
O nome dele é Kamã.
Kamã, em língua indígena kaxinauá, significa cachorro.
Meu cachorro se chama cachorro. E, guardadas nossas diferenças – e semelhanças –  tenho certeza de que muito mais ele me humaniza com sua cachorrice do que eu o cuido com minhas hu-manias. 
Quando estou trabalhando muito, geralmente corrigindo carradas de redações (e algumas parecem escritas em língua menos inteligível que au-au-auês), ele vem até mim, coloca as patas e a cabeça no meu colo, esfrega o focinho, ou senta-se me encarando, como a dizer: e aí, cara, não acha que já está nisso tempo demais?
Às vezes esse gesto é só um tipo de manha mesmo que ele desenvolveu quando ele entende que precisa me levar para fazer uma caminhada. Ou apenas trocar um pouquinho de camaradagem, que isso muito bicho sabe fazer melhor que ninguém.
Às vezes fica deitado, quieto e discreto, como agora, na porta do quarto, próximo à mesa do computador no qual escrevo. Dali, tem uma visão estratégica do corredor que dá acesso aos demais cômodos da casa e fica escarrapachado, como um lorde, na sua tranquilidade canina.
O nome dele eu tomei emprestado do cachorro de um amigo, também Kamã.
Kamã o cachorro, não o amigo.
Gostei e ficou.
Não sei se Kamã gosta. De vez em quando, quando o chamo pelo nome, parece ignorar. Me olha assim meio de esguelha ou olhando em volta, mas com uma cara que é inegável sorriso. 
Acho que prefere “Amigo” ou “Miguinho”, como costumo chamá-lo também.
Kamã é um fox paulistinha.
Manto negro, patinhas brancas como estivesse calçado de meia, máscara marrom, uma pinta branca no pescoço que o torna único. 
Olho vivo, brilhante.
É valente, dócil, companheiro, sempre vigilante.
Sonhei com ele, igualzinho é, num mesmo sonho em que me vi em uma igreja de Nossa Senhora das Graças, em 2008, um ano antes de adquiri-lo. Nem jamais tencionava possuir um animal de estimação porque, de fato, quem acaba ficando preso é a gente, de alguma forma.
Só resolvi comprar um cachorro porque entrou ladrão aqui em casa, em janeiro de 2009. Além dos artefatos auschwitzanos de segurança instalados, cerca elétrica e quetais, pensei que ele também serviria de alarme.
Quanto eu saí para comprá-lo, rodei pelos petshops da cidade.
Eu queria um cão de pequeno porte, pelo liso. 
Cães pinscher, poodle e outros havia muitos.
Olhei e olhei. Esse não... hum, não... esse também não.
Já estava quase desistindo e só faltava uma loja para procurar, quando eu disse ao meu sobrinho Pedro, que me acompanhava: vamos lá ver, mas só compro se for um paulistinha.
A ideia me veio assim, de repente.
Quando chegamos à loja, lá estava.
Ele olhou para mim, eu olhei para ele.
Pronto.
Amor de cachorro, que nem pode acontecer também com gente, é à primeira vista. Com a vantagem do faro que o bicho tem.
A carinha tímida, o olhinho pedindo carinho e colo, quem resiste?
– É ele!, eu disse.
Ele estava deitado no fundo da gaiola, tristinho, amuado.
Quando me viu, logo ergueu os olhinhos, olhou de lado mas ficou na dele.
Abanou, tímido, o rabinho cotó.
Deve ter pensado: é mais um que vem me olhar e vai me deixar aqui nessa gaiola.
Cachorro e passarinho na gaiola são tudo uma tristeza só.
O Kamã continuou quieto quando o vendedor o tirou de lá.
No carro, eu e Pedro seguimos pensando nos nomes.
Pensei em Naruto, por causa do desenho animado de que a minha sobrinha Ana Paula, então com dois aninhos, gostava. Ela ficava imitando as lutas do desenho.
– Tio, vamo bincá de lutinha?...
Aqui em casa, Kamã, com três meses, ficava mais quieto numa área que destinei para ele. Bem cuidado com vacinas e alimento, mas sem mimos, sem muitas brincadeiras senão uma bolinha de borracha que deixei para ele morder. Era apenas um cachorro e seu dono.
Eu não imaginei que, com tantos cães que tive na minha infância, ainda teria que aprender a conviver com um.
Primeiro, a luta para ensinar o bichinho a fazer xixi e cocô no lugar certo. Depois, acomodá-lo num espaço em que fosse fácil cuidar, porque moro em apartamento. E mais depois o choro dele de noite, que demorei a entender.
À noite eu deixava o Kamã isolado numa área coberta do lado de fora da casa, aninhado sobre uma tábua debaixo do tanque.
Ele passava as noites ali, mas, já mais grandinho, não aceitou e relutou muito até que eu entendesse.
Então deixei-o dormir numa outra área junto à cozinha. Até que se acomodou ali, mas daí a alguns dias, já estava dormindo perto do sofá da sala, que elegeu como seu lugar predileto. Dali, eu noto, ele controla quem entra e quem sai de casa, de orelha em pé, vigia tudo o que se passa na rua. E do sofá também empina o corpo para olhar a rua pelas janelas.
Comecei a adestrá-lo, isto é, pelo menos tentei. 
Sentar, deitar, parar e olhar de um lado e outro antes de atravessar a rua, andar junto (nisso falhei, pois ele sempre dispara na frente e na dianteira fica, olhando para trás, conferindo se eu estou acompanhando-o e, se vê que parei, volta correndo para me buscar).
Com pouco tempo e pouca paciência para investir eu mesmo no treinamento, contratei um adestrador.
Ele e Kamã se deram muito bem.
Mas nos dias em que eu saía para passear com Kamã e testar suas habilidades caninas ele trocava os comandos.
Senta, Kamã. Ele deitava.
Em pé, Kamã, ele sentava.
Bom dia, Kamã, e ele lá, quietinho.
Ou então nem dava a mínima para o que eu ordenava e ficava só querendo passear, dando pulinhos e farejando tudo em volta. 
Pensei que com o adestrador ele já tinha desaprendido tudo o que eu demorara tanto sem nenhuma técnica para ensinar.
Até que fui observar os dois juntos e descobri: Kamã estava sendo adestrado em francês.
Chique demais, pensei. Agora só falta ensiná-lo a miar, e meu cachorro vai ficar poliglota.
Com o adestrador, ele era que nem filho quando vai passear longe do pai – ficava todo obediente, fazia tudo direitinho.
Bastava o adestrador dizer: assis, Kamã.
E o Kamã ali ó, sentadinho.
Adosser!
E ele sentadinho com as patinhas unidas.
Nessa hora, fica parecendo que ele está de smoking, um gentleman de quatro patas, todo espigadinho.
Coucher!
E o Kamã deitadinho.
Mort!
E ele lá, fingindo-se morto.
Bonjour! E ele esticou a patinha.
Kamã aprendeu muito mais.
Ensinei-o a dizer hum, hum-hum, quando o seguro junto ao corpo e toco seu peito, fazendo uma leve pressão com os dedos. 
Tem a mania de percorrer bem cedo a casa, antes de o sol raiar, para ver se todos estão dormindo.
Fica em pé, na cabeceira da cama e, de mansinho, estende a patinha perto do rosto da gente e cheira, para conferir. Faz isso todo dia. Geralmente por volta de 5 horas da matina ele cumpre esse ritual.
Levanta cedo e chama para a cozinha, pois sabe que vai ganhar biscoitos.
Não é do tipo que lambe a cara, a boca da gente, o danado tem lá seus critérios. Mas gosta de dar lambidas atrás da orelha.
Quando fica bravo ou agitado, não gosta que o segure.
Não gosta de ver gente chorando, fica inquieto e late aflito, como se quisesse fazer algo.
Gosta de medir força com a gente com a bolinha caroquenta com a qual brinca desde filhote. Ele gosta de prendê-la entre os dentes e fica como se estivesse provocando: vem, vem pegar.
Quando prendo a bolinha, ele faz força, fica agitado, arqueia o corpo defendendo-se, faz de tudo para não deixar tomá-la. Deixo que ele ganhe a disputa muitas vezes. Outras vezes finjo desinteresse, aí é a vez dele insistir e me deixa pegar a bolinha.
Kamã é um companheiro e tanto. Imaginar a casa, a nossa vida sem ele, é como adentrar um lapso de memória, tatear um apagamento de coisas e sentimentos desses que só as pessoas muito, muito queridas, deixam marcados em nós.
Esse cãozinho que vive ao meu redor foi me ensinando, do jeito dele, com mais pertinácia, paciência e zelo do que eu, que amar não é só estar junto de quem a gente gosta, é preocupar-se e ocupar-se de uma esperança mansa, muitas vezes silenciosa, da qual não se diz mas que, junto de alguém, qualquer um compreende. 
Pode até ser uma armadilha biológica para sobrevivência da espécie, mas vá, entender a mente obstinada ou os motivos de um cão... Quando me pego imaginando a vida sem esse companheiro de agora, sempre me recorre a efemeridade de tudo, como se cada latido seu fosse um alerta diário, espontâneo daquele sentimento – tantas vezes escapável, adiado no cotidiano – de amar, simples, recíproco, sem pedir nada em troca, como se não houvesse amanhã.
E olha, até nisso rima o nome do Kamã.