segunda-feira, 26 de maio de 2014

Mais que mil palavras

“Em muitos países, a efígie ou imagem da República é a personificação do regime republicano  e do próprio Estado onde esse regime vigora.”

domingo, 25 de maio de 2014

Os babacas do metrô

Houve um tempo em que esperávamos a Lua entrar na sétima casa, Júpiter se alinhar com Marte e a paz reinar no planeta. Era a aurora da era de Aquarius. Aquarius, Aquarius. As mulheres arrancando os sutiãs, os homens com calça boca de sino, cavalos da polícia dançando, tudo porque a Lua tinha, finalmente, entrado na sétima casa.
Fernando Gabeira, jornalista, deputado.
Participou da luta armada, do sequestro
do embaixador Charles Elbrick (1969).
É um dos raros pensantes, hoje, dos que
dá nome aos bois, à vaca, aos bezerros e aos carrapatos,
desmistificando a ação das guerrilhas de esquerda em passado remoto.
Nossas esperanças hoje são mais prosaicas. Em vez de Júpiter se alinhar com Marte, contemplamos o alinhamento da Copa do Mundo com as eleições no Brasil. E os nervos estão mais sensíveis. Na cúpula, governo e Fifa se estranham. Para Jérôme Valcke, o contato com as autoridades brasileiras foi um inferno. Para Dilma Rousseff, Valcke e Joseph Blatter são um peso.
É o tipo de divórcio que não se resolve com as cartomantes que trazem de volta a pessoa amada em três dias. Eles se distanciam num mero movimento defensivo. Quem será o culpado se as coisas não derem certo?
Dilma, com a Copa das Copas, quer enfrentar a eleição das eleições e põe toda a sua esperança nos pés dos atletas. A Fifa não gostaria de entrar numa gelada no Brasil, mesmo porque o Qatar a espera com calor de 52 graus. Seriam dois fracassos seguidos, pois Blatter já admitiu que o Qatar foi um erro.
Essa conjunção histórica está levando a uma certa irritação da cúpula conosco, que não inventamos essa história. Blatter declarou que os brasileiros precisavam trabalhar mais porque as promessas de Lula não foram cumpridas. Nada mais equivocado do que essa visão colonial. Se Blatter caísse no Brasil e vivesse nossa vida cotidiana, constataria que trabalhamos muito mais que ele mesmo, um cartola internacional. Desde quando o objetivo do nosso trabalho é cumprir as promessas de Lula?
A tática de Lula é diferente da de Blatter. Lula não critica nossa insuficiência no trabalho, mas nossas aspirações de Primeiro Mundo. Ele, que vive espantando o complexo de vira-latas, apossando-se politicamente de uma frase de Nelson Rodrigues, nos convida agora a reviver o espírito que tanto condena: "Querer vir de metrô ao estádio é uma babaquice. Viremos a pé, de jumento...". Para Blatter, precisamos trabalhar mais; para Lula, desejar menos. Só assim nos transfiguramos na plateia perfeita para o espetáculo milionário.
Lula começou sua carreira falando em aspirações dos mais pobres, hoje prega o conformismo. Não é por acaso que o PT faz anúncios inspirados no medo de o adversário vencer as eleições. Não há mais esperança, apenas um apego desesperado aos carguinhos, à estrutura do Estado, aos grandes negócios.
No passado exibi um filme em que Lula e Sérgio Cabral dialogam com um garoto do Complexo da Maré. Eles entram em discussão, Cabral ofende o jovem e Lula diz ao garoto que gostava de jogar tênis: "Tênis é um esporte de burguês". Na cabeça de Lula, o menino tinha de se dedicar ao futebol. Outras modalidades seriam reservadas aos ricos. Se pudesse livrar-se de seus aspones e andar um pouco até a Baixada Fluminense, veria um campo de golfe em Japeri onde atuam dezenas de garotos pobres da região. Dali saem alguns dos melhores jogadores de golfe do Brasil.
Lá por cima, pela cúpula, muito nervosismo, uma certa impaciência com um povo que não se ajusta ao espetáculo. Estão mais ansiosos que os próprios jogadores para que o juiz dê o apito inicial. Nesse momento, acreditam, o Brasil cai num clima de festa. Com a vitória da seleção o Brasil entraria num alto-astral e os carguinhos, os grandes negócios, tudo ficaria como antes.
Li nos jornais algumas alusões à Copa de 70, a que assisti na Argélia. De fato, o PT vai se agarrar à seleção como o governo Médici o fez naquela época.
Mas já se passaram tantos anos, o Brasil mudou tanto, e o alinhamento das eleições com a Copa, organizada pelo País, tudo isso traz novidades que a experiência de 1970 não abarca.
Estamos entrando num momento inédito. Dilma é vaiada em quase todo lugar por onde passa. Lula está visivelmente ressentido com o povo, que não o celebra pela realização da Copa; que é babaca a ponto de desejar ir de metrô ao estádio.
Não importa qual deles venha. "Que vengan los toros", como dizem os espanhóis. Não importa quantos gols nosso ataque faça - e espero que sejam muitos -, a glória do futebol não obscurece mais nossas misérias políticas e sociais. Se os idealizadores da Copa no Brasil fizessem uma rápida pesquisa, veriam que o sonho de projetar a imagem de um país pujante e pacífico está ardendo nas fogueiras das ruas, na violência das torcidas, no caos cotidiano nas metrópoles, nos relatos sobre a sujeira da Baía de Guanabara.
O governo do PT e aliados não poderá esconder-se atrás do futebol, porque eles já foram descobertos antes de a Copa começar. A Copa do Mundo não sufoca as denúncias de corrupção porque a própria Copa está imersa nela. A Fifa, com Jérôme Valcke sendo acusado de venda irregular de jogadores, não ajuda. Até o técnico Felipão caiu nas redes do fisco português.
O sonho de uma plateia ideal para a Copa, milhares de pessoas com bandeirinhas, de um eleitorado ideal que vota sempre nos mesmos picaretas, de torcedores ideais que vão a pé ou de jumento para estádios bilionários, esse sonho entra em jogo também. Assim como aquele de projetar a imagem positiva do Brasil, o sonho de uma plateia ideal para a Copa foi por terra. Nem todos cantam abraçados diante das câmeras.
Começou um jogo delicado em que a Copa do Mundo é apenas uma etapa. Valcke vai viver o inferno nos 52 graus do Qatar e Dilma enfrentará a eleição das eleições, a qual precisa vencer, mas não para de cair.
A Lua entrou na sétima casa e não veio o paraíso. As eleições se alinham com a Copa, como Júpiter e Marte, e o Brasil, num desses momentos de verdade decisivos para sair dessa maré. Se estão nervosos agora, imagino quando as coisas esquentarem.
Os babacas que querem ir ao estádio do metrô podem querer também um governo limpo, um combate real à corrupção, serviços públicos que funcionem.
Babacas, felizmente, são imprevisíveis.

O negócio da alma

quarta-feira, 21 de maio de 2014

O despertar dos artistas

Por Branca Nunes
Adélia Prado no programa Roda Vida
 “Tinham três coisas que a gente fazia quando era garoto que a gente mais se amarrava: andar de skate, ouvir Rock n’Roll e falar mal do governo”, anunciou Dinho Ouro Preto, vocalista do Capital Inicial, durante a apresentação do grupo no Rock in Rio 2011. “Na verdade, os anos foram passando e a gente descobriu que gostava de falar mal de qualquer governo. Fosse ele de esquerda ou de direita. Todos são iguais. Essa aqui é para as oligarquias que ainda parecem dominar o Brasil. Essa aqui é para o Congresso brasileiro, em especial para o José Sarney”.
A fala que precedeu a música Que país é esse?  não foi apenas o estopim para o grito contido na garganta de milhões de brasileiros. Ela marcou também o despertar de artistas e intelectuais diante daquela que é, segundo definiu Adélia Prado no programa Roda Vida, uma das épocas mais cinzentas da história brasileira. “Nós vivemos uma ditadura disfarçada”, lamentou a poeta. “Os poderes da República estão como comida envenenada”.
Em 2013 foi a vez de Lobão, massacrado pela esquerda depois do lançamento do livro Manifesto do Nada na Terra do Nunca. “Temos uma presidenta que é uma anta, que fala mal, que pensa mal”, desabafou o cantor. “Nós temos que sair desse atoleiro”.
A mesma raiva despejada sobre Lobão foi desferida na última semana contra Roger, vocalista do Ultraje a Rigor, e Ney Matogrosso. Ney entrou no rol dos inimigos da pátria depois de fazer, durante uma entrevista à emissora portuguesa RTP, a pergunta que se fazem todos os brasileiros decentes: “Se existia tanto dinheiro disponível para gastar na Copa, por que não resolver os problemas do nosso país?”.
Criticado pelo twitter, Roger contra-atacou ao vivo, durante um show no último dia 10: “Fui atacado porque, segundo a lógica distorcida desses cretinos, eu estaria aceitando dinheiro de um governo que não apoio para tocar hoje aqui, e que isso não seria coerente. Pois bem, quem está me pagando hoje não é um partido que se considera dono do Brasil”. E terminou com a constatação que tanto os cidadãos quanto o governo – um por ignorância, outro por esperteza – parecem esquecer: “Quem está me pagando é o povo, do qual eu faço parte”.
Leia o texto na íntegra e confira os vídeos, aqui, no blogue de Augusto Nunes.

Olhe onde pisa!

As tampas de bueiro no Japão são emblemáticas da força da Cultura para refinar o sentido de uma civilização. São obras de arte com motivos que variam conforme o lugar.  Cidades e distritos têm seus desenhos próprios e as criações são incentivadas pelas autoridades locais. Tudo muito diferente das crateras podres ou das pichações grotescas vistas por todo o Brasil – e estas ainda são “interpretadas” como um código, uma “nova gramática urbana” por parte de debilóides ‘politicamente corretos’ que veem naqueles rabiscos esquizofrênicos a expressão de uma identidade.
No caso brasileiro são, sim, a identidade da carência de Educação e Cultura, do atraso e do desrespeito pelo patrimônio público e privado.
No Japão, a arte não fica restrita a museus e galerias. Tem espaço na cidade e visibilidade nas ruas. Os primeiros bueiros decorados surgiram em 1950, como forma de democratização do espaço público.
Espalhados pelo país, retratam ícones da cultura nipônica, esculpidos no relevo do ferro e pintados com pigmentos e resinas extraídos de árvores. São peças sintomáticas do fato de que, mais do que Educação, a Cultura é o imperioso reforço do status de evolução e de desenvolvimento de uma sociedade, tanto na sua complexidade quanto no detalhe.
Será que, um dia, pisaremos esse – ao menos semelhante chão? Olha para o céu, Frederico!



terça-feira, 20 de maio de 2014

A pedagogia e a arte de transformar o nada em carisma

Mais de 8,5 milhões de alunos brasileiros estão atrasados pelo menos dois anos na escola. Os dados são do Censo da Educação Básica 2013 e mostram que 6,1 milhões de estudantes do ensino fundamental e 2,4 milhões do ensino médio não estão na série ideal. Nessas duas etapas de ensino o país tinha 37,3 milhões de matrículas em 2013. São crianças e adolescentes que reprovaram, abandonaram a escola ou já foram alfabetizados com atraso. (Leia mais, aqui.)
A taxa de analfabetismo também cresceu: entre 2011 e 2012, houve um aumento de 300 mil pessoas analfabetas, com 15 anos ou mais, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). (Confira.)
Para dimensionar a magnitude desses dados, considere que, no Brasil, 75% das pessoas entre 15 e 64 anos não conseguem ler, escrever e calcular plenamente. Esse número inclui os 68% considerados analfabetos funcionais e os 7% considerados analfabetos absolutos, sem qualquer habilidade de leitura ou escrita. Apenas 1 entre 4 brasileiros (isto é, 25% da população) consegue ler, escrever e utilizar essas habilidades para continuar aprendendo. (Veja, aqui.)
Lembre-se: essa gente vota. Vota, elege e reelege. Lembre-se mais: analfabetismo (absoluto e funcional) e analfabetismo político caminham pari passu ao atraso nesse país viciado na filosofia do ‘quanto pior, melhor’, na pedagogia do oprimido, na gramática do ‘tamus lascado’. Pedagogia gazeteira, que reproduz, interdisciplinarmente, na escola muito risonha e nada franca, o vitimismo, o coitadismo em detrimento do potencial de aprendizagem, da competência, do mérito, do lé com cré. Espie, logo abaixo desse artigo, que não falta mesmo gente disposta a rebaixar Machado de Assis ao leitor(?!) ao invés de se empenhar para formar e elevar leitores à compreensão de Machado.    
Solução? Salvo uma bomba formidável ou um milagre em contrário, que tal a eliminação do Ensino “Médium”? A reboque das exceções, ele já funciona assim meio como uma espécie de limbo para a canalização ou a manifestação sobrenatural do “espírito de estudante” que não pertence ao corpo de milhões de aluninhos e inhas. Mas que são catapultados para a universidade, o mercado, a vida.
Então, a coisa ficaria simples assim: do ensino fundamental direto para a faculdade, com aprovação automática, sem bônus, sem cota, sem prova, sem cursinho, sem vestibular, sem Enem ou porteira – tudo carimbado com o dedão porque, afinal, um pouco de burocracia faz parte, né? Que tal? Pronto! Estariam eliminados os problemas e os dilemas, pondo-se um fim às discussões, aos gastos com Educação e, mais, à ingratidão dessa gente inzoneira que paga impostos suecos para receber em troca desserviços subsaarianos por culpa e obra da imperial desigualdade sócio-econômica, do capitalismo mercantilista, dos golpes de saliva, das mídias malandras (aliás, as supremas responsáveis, na dozena lulopetista, por toda a esculhambação que acontece no Brasil, não é verdade?), das influências dos astros, do ovo que a marreca não botou.  
E assim se faz a arte, a mágica compulsória de transformar o vento em nada, o nada em voto e o voto nas nulidades (des)governantes e (des)governadas deste país onde a incompetência não é crime, não é vergonha, não é ofensa, é carisma...

Machado de Assis, misto quente e tomate

Por Luciano Pires
A escritora Patrícia Secco obteve a aprovação do Ministério da Cultura para captar recursos via lei de incentivo com o intuito de lançar edições descomplicadas de obras de grandes autores, como Machado de Assis, José de Alencar e Aluísio Azevedo. Patrícia afirma que os jovens não gostam de Machado de Assis porque “os livros dele têm cinco ou seis palavras que não entendem por frase”. A ideia da escritora é trocar as palavras que considera difíceis por outras mais fáceis. Por exemplo, na versão de “O Alienista”, que deve ser lançada no mês que vem, “sagacidade” foi substituída por “esperteza”. As mudanças não ferem o estilo dos autores, diz a escritora.
A edição que obteve patrocínio do MinC, terá tiragem de 600 mil exemplares, a serem gratuitamente distribuídos pelo Instituto Brasil Leitor.
Bem, já vi edições de livros transformadas em histórias em quadrinhos, já vi edições simplificadas até da Biblia, já vi versões de clássicos para crianças, já vi de tudo isso um pouco. O que eu acho? Primeiro que é impossível não recordar da “novilíngua” que George Orwell descreveu no livro 1984. A novilíngua era o idioma criado por um governo ditatorial, através da eliminação de palavras. Com a remoção das palavras, tornava-se cada vez mais difícil definir as coisas, ficando mais fácil para o governo controlar a liberdade de pensamento das pessoas. Por exemplo, a palavra “livre” continuava existindo, mas só para designar coisas que não se possui mais, como “estou livre do resfriado”. “Livre” como concepção de liberdade de escolha e de vontade própria, desaparecia na novilíngua, e com ela, o conceito de liberdade. Fica difícil defender um conceito inexistente, não é? O empobrecimento do vocabulário, assim, era uma ferramenta de controle da população, um projeto de poder. Não acho que a mesma intenção se aplica no caso da simplificação de Machado de Assis, mas as consequências, no final, serão as mesmas.
Deixe-me então, para ficar no conceito, simplificar.
Em Bauru, minha cidade natal, existe um bar chamado Skinão, que faz o sanduíche bauru, criado em 1934 por um bauruense na lanchonete Ponto Chic do largo do Paissandú em São Paulo. O bauru original tem pão francês, queijo especial derretido em água, rosbife, pepino e tomate. É maravilhoso. Mas na padaria da esquina dá para comer um bauru que é duas fatias de pão de forma, presunto, queijo e um tomate. E talvez, orégano.
Os dois são “bauru”, os dois matam a fome, mas só um é o bauru de verdade, o original, que é mais caro, mais sofisticado, tem mais paladar, uma obra de arte.
Quem nunca comeu o original passará a vida achando que bauru é um misto quente com tomate.
Dá para proibir a venda de misto quente com tomate chamando de bauru? Não. Qual é o problema então?
Bem, para comer um bauru de verdade, é preciso esforço. Tem que ir pra Bauru ou então procurar um Ponto Chic em São Paulo. É mais caro… Tem picles… Mas aquele outro, o bauru de araque, tem em qualquer lugar, é baratinho e muito fácil de comer.
Se um dia o bauru original deixar de ser feito, só restará o misto quente com tomate. Teremos então as Memórias Póstumas do Verdadeiro Sanduíche Bauru.
E a humanidade ficará mais pobre.
Simplifiquei demais?

quinta-feira, 8 de maio de 2014

Só mais 20 milhinhos...

Este é o valor do prejuízo com uma frota de 116 veículos, entre carros e motos, que seriam usados para o patrulhamento das estradas durante a Copa da Fifa de 2014. Por pouco, não roda também um helicóptero.
                                                          Foto: Carlos André Nogueira
A culpa de tamanho prejuízo é de São Pedro.
Mas a conta, adivinhem, fica para o bolso dos pobres diabos que a carreguem, enquanto a (in)segurança no País dos Lascados vai de pior a pior ainda!
Confira, aqui, a matéria do Jornal Folha de S.Paulo.