Luiz Fernando Verissimo (O Estadão, 20/05/2012)
Os pais de Adolph Hitler
teriam sido aconselhados a levar o menino para uma consulta com um médico que
estava revolucionando o tratamento de distúrbios mentais, em Viena. Mas
decidiram que o que o Adolphinho fazia com insetos era normal para a idade dele
e não procuraram o Dr. Freud. O resultado foi o que se viu.
Karl Kraus escreveu que a
Viena do começo do século 20 era o campo de provas da destruição do mundo. A
derrocada do império Austro-Húngaro foi o fim de um certo mundo, mas acho que
Kraus quis dizer mais do que isto. Para ele, as revoluções do pensamento postas
em movimento na Viena da sua época trariam o fim do longo dia do humanismo
europeu que durara desde a Renascença, e o novo século restauraria a idade das
trevas.
O encontro que não houve
entre o intelectual judeu que radicalizou o estudo da consciência e o homem que
quis eliminar as duas coisas, o judeu e a consciência, da História simboliza
este prenúncio, ou esta intuição de Kraus, sobre o século. Seria fatalmente o
século do desencontro entre as duas formas de modernidade, a que liberava o
pensamento pela investigação científica e a que o aprisionava pelo mito do
estado científico.
A questão é até onde coisas
vagas como o clima intelectual de uma cidade, ou clínicas como a maluquice de
alguém, influenciam a História, ou até que ponto uma boa terapia pediátrica
teria evitado o Holocausto. A História teria sido diferente sem Hitler, ou com
um Hitler no poder mas tratado por Freud? A ideia do nazismo como uma anomalia
patológica, como coisa de loucos, é uma ficção conveniente que absolve boa
parte da direita cristã europeia da sua cumplicidade.
Mas a ideia de um
determinismo neutro, independente de qualquer escolha moral, também é
assustadora. Precisamos de vilões mais do que de heróis, de culpados muito mais
do que de inocentes. Nem que seja só para preservar o autorrespeito da espécie.
O materialismo histórico
rejeita a ideia de sujeitos regendo a História e marxistas ortodoxos reagem a
qualquer sugestão de que as ideias justas venham de um discernimento moral
inato. Assim a História como um relato de mocinhos providenciais em guerra com
bandidos doentes sobra para a literatura, ou essa categoria de ficção
sentimental que é a História convencional.
Pois gostamos de pensar que
é a iniciativa humana que move a História, e que o seu objetivo, mesmo que
tarde, seja moral e justo, e que ela tenha uma cara e uma biografia.
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