sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

O crime do professor de matemática

Professor de matemática de uma escola estadual na Baixada Santista (SP) é acusado de apologia ao crime por passar aos alunos do ensino médio problemas cujos temas são tráfico de drogas, prostituição, armas de fogo, furto de veículos (clique aqui, para ler a notícia).

Nas questões, o professor pergunta, por exemplo, qual a quantidade de pó de giz um traficante deverá misturar para ganhar 20% na venda de 200 gramas de heroína ou quantos clientes cada prostituta deverá atender para que o cafetão compre uma dose diária de crack.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais PCNs rezam que os conteúdos sejam adaptados e contextualizados com a realidade do aluno para garantir-lhe uma educação de qualidade. O final feliz dessa história seria a sua integração na sociedade moderna como cidadão consciente, responsável, atuante, crítico.

Infeliz foi o professor ao retratar, em sua prática, realidade mais real que a do país de Cocanha. Tráfico de drogas, prostituição, armas de fogo, crime? Ora, isso só se vê na TV, na internet, na imprensa, no cinema, não na realidade dos alunos.

A realidade do aluno brasileiro está no ENEM. Este sim, um teste real para um país ideal. Uma avaliação inclusive blindada contra fraudes do tipo furto e vazamento de provas - crimes que facilmente não acontecem na realidade, não é mesmo?

Pode alguém questionar o viés ideológico na proposta do professor, alegar que os fatos abordados nos problemas de matemática estejam até contextualizados em uma realidade maior e mais abrangente, da qual os alunos fazem parte. Porém, que não é parte do cotidiano deles e, portanto, estaria o professor incitando ao crime.

Ou ainda, como disse ex-aluna do professor, que se o problema fosse do tipo “Joãozinho comprou um doce” ninguém iria prestar atenção, portanto o professor, longe de estimular o crime, foi mal interpretado. 

Mas dentro das escolas está a realidade e não uma abstração que a escola devolve à sociedade. Esses jovens estudantes, no futuro, se sobreviverem a essa realidade, dela se encarregarão como trabalhadores, líderes, dirigentes, políticos, um presidente da república, quem sabe. Como e-leitores, enfim.

Imagino se o problema fosse de outro tipo, no exemplo dado a seguir. O enunciado pode parecer longo, mas está adequado à proposta do ENEM que é “apresentar uma situação-problema para o estudante pensar e buscar a solução”, contextualizada como “uma estratégia para estabelecer relações entre o conhecimento e o mundo que nos cerca, envolvendo, portanto, questões sociais, políticas, culturais e mesmo aquelas relacionadas ao nosso cotidiano”. Eis o problema:

“Zé Dirceu do PT era ministro da Casa Civil no governo Lula e comandava um esquema de corrupção conhecido como mensalão. Consistia em pagar propina a deputados para aprovarem no Congresso os projetos do governo. Cada deputado recebia R$ 30 mil reais em média, e houve até assessor de deputado que foi preso em aeroporto com U$ 100 mil dólares na cueca. A Justiça aceitou a denúncia contra 40 acusados e definiu o esquema como uma “sofisticada organização criminosa”. O processo é longo e o crime pode prescrever. Sabe-se que das 33 ações penais abertas pelo Supremo Tribunal Federal desde 1996 contra políticos com foro privilegiado, 13 prescreveram e foram extintas. Considerando que a demora no julgamento do processo beneficia os acusados e por isso os crimes políticos ficam impunes, qual é a probabilidade de que sejam todos devidamente condenados?”

Em problema dessa natureza, quem estaria fazendo a apologia ao crime?

O professor?

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