sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

A montanha de sermão


A foto da presidente da república, Dilma Rousseff (PT), e do governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB), está publicada desde ontem no site do Fluminense Futebol Clube.
A expressão consternada de ambos, reparem, revela um flu, ops, flagrante do espírito de equipe, de torcida, de solidariedade, de humanismo em meio à tragédia na região serrana do Rio de Janeiro.
Já são mais de 500 mortos, sem contar os desaparecidos. Segundo a Defesa Civil, há pelo menos 13 mil desabrigados (os que perderam tudo e necessitam de abrigos públicos) ou desalojados (que contam com a ajuda de vizinhos e familiares) no Estado.
As enchentes na região serrana do Rio de Janeiro já são o quarto maior desastre com chuvas nos últimos 12 meses no mundo, segundo levantamento do Centro de Pesquisas de Epidemiologia dos Desastres (Cred). O Cred, localizado em Bruxelas, na Bélgica, vem compilando dados sobre desastres em todo o mundo há mais de 30 anos (leia notícia na íntegra, aqui).
De acordo com os dados do Cred, as enchentes no Paquistão ocorridas entre julho e agosto do ano passado, que deixaram 1.985 mortos, provocaram o maior número de vítimas fatais nos últimos 12 meses no planeta.
O segundo maior número de mortes em desastres do tipo no último ano ocorreu em Zhouqu, província chinesa de Gansu. Um deslizamento de terra provocado pelas chuvas deixou 1.765 pessoas mortas em agosto. Também na China, em Fujian, província de Sichuan, temporais entre maio e agosto deixaram 1.691 mortos em consequência das cheias e dos deslizamentos de terra.
Na quinta-feira, o número de mortos na tragédia fluminense ultrapassou o saldo de vítimas das enchentes e dos deslizamentos em Nametsi, Uganda, onde 399 pessoas morreram entre fevereiro e março de 2010. Os deslizamentos na região serrana do Rio são, ainda, os mais fatais no Brasil desde 2000. As enchentes de abril do ano passado no Rio deixaram 256 mortos, as inundações de 2003 no Nordeste e no Sudeste mataram 161, e as enchentes de 2008 em Santa Catarina deixaram 151 mortos.
A cheia mais mortífera de que se tem notícia, segundo os registros do Cred, ocorreu na região central da China, em 1931, quando 3,7 milhões de pessoas teriam morrido, segundo as estimativas. Na última década, as enchentes de maio de 2004 no Haiti, com 2.600 mortos, foram as que deixaram o maior número de mortos.
Após sobrevoar a região serrana do Rio de Janeiro, destruída pelas chuvas, a presidente DR, acompanhada de Cabral e comitiva, pousou de helicóptero no estádio das Laranjeiras. Receberam as camisas do Fluminense e posaram para a foto catita, num evento de boas-vindas organizado pelo vice-presidente do clube.
Logo depois, em entrevista coletiva, a presidente DR afirmou, prestem atenção: “Moradias em áreas irregulares no país são a regra, não a exceção”. Levantou uma pergunta retórica:  “Quando não se têm políticas de habitação, a pessoa que ganha até dois salários mínimos vai morar onde?” E saiu-se com a resposta que é síntese da omissão dos governos: “Vai morar onde não pode, porque é justamente as regiões que estão desabitadas”.
A presidente bateu no ponto. Praticamente uma confissão, enquanto não faltam coscuvilheiros insistindo em pôr a calamidade na conta da maior "catástrofe natural" da história do país, consequência das "mudanças climáticas", culpa do aquecimento global ou de São Pedro.
Atentaram para o que ela disse? “Quando não se têm políticas de habitação...”
Uai, e aquele ma-ra-vi-lho-so programa “Minha Casa, Minha Vida”? Ah, sim, basta uma vasculhada na internet para ver que nunca foi entregue o milhão de casas prometido. Uai, e os nove anos em que o PT já está no poder, com DR junto? Uai, não  é ela, segundo Lula, a "mãe do PAC" e foi a ministra responsável pelos grandes projetos de infra-estrutura do país? Uai, neo, e...?
Qualquer neo reconhece, óbvio, que não se muda em uma década a mazela dos séculos, mas já não era tempo de mudar a “regra das moradias irregulares no país”? 
Raciocinemos.
Se DR, como diz Lula, é o braço direito dele, portanto, a continuidade do governo petista; portanto, a continuidade de si mesma...
Se DR reconhece que “não se têm políticas de habitação”...
Quer dizer que as ocupações e construções em área de risco continuarão como “regra”?
Que no rodo e no salve-se-quem-puder das próximas enchentes (porque é certo que elas virão) e atrás do trio elétrico só não vai quem já morreu?
Pelo menos agora, diante das “cenas fortes” de “um momento muito dramático” em que “montanhas se dissolveram”, segundo observações da presidente DR, ela prometeu investir na prevenção e criar políticas habitacionais. “A prevenção não é uma questão de Defesa Civil apenas, é questão de saneamento, drenagem e políticas de governo”, afirmou.
Correto. Fica a promessa. Amém.
Depois que “montanhas se dissolveram” no flagelo das chuvas, não se fará o milagre da multiplicação de moradias decentes com uma montanha de sermão.

2 comentários:

  1. Gostei muito Juarez. Em fim, encontrei um segundo blog sensato na internet (difícil encontrar um ultimamente).
    E concordo em genero e modulo com o senhor. Quando DR se pronunciou dizendo que "a prevenção não é uma questão de Defesa Civil apenas, é questão de saneamento, drenagem e políticas de governo", deixou bem claro que mudanças estão por vir. Porém, é fácil demais prometer que milhões e milhões serão liberados para as vítimas, e não notarem que estão apenas alimentando um ciclo que se repete a cada ano, os desastres. Onde fica a prevenção ? Onde fica a segurança ? Se é claro que não se pode habitar os locais de risco, porque não trabalhar no consentimento dessas família, assim como feito em países natos, como a Austrália ? Mas como sempre dizemos, é mais fácil fechar os olhos se negligenciando do que arregaçar as mangas e dar a cara a tapa. Isso não é liderança, é so mais um arlequim.

    Juan Enrique Mares Ribeiro

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  2. Pois é, Juan. "A revolução dos bichos."

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