José Nêumanne* (para o Jornal Estadão)
A 36 dias da abertura da
Copa do Mundo, o futebol vai se tornando o assunto predominante no Brasil,
embora as pesquisas de opinião pública sobre a disputa da Presidência continuem
em voga. Então, talvez não seja de mau alvitre recorrer a lúcidos ensinamentos
do futebol para aplicar na campanha eleitoral. Este é o caso da máxima dos
treinadores que mais ganham campeonatos seguindo uma lição simples: "Em
time que está ganhando não se mexe". Mas, com a importância cada vez maior
dada ao marketing político nas democracias ocidentais, convém não esquecer o
lema que está por trás de toda publicidade, seja comercial, seja religiosa,
seja política, atribuído a Joseph Goebbels, o mago da propaganda do nazismo:
"Uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade".
Candidata obstinada à
própria reeleição, a presidente Dilma Rousseff pode até não ter pensado nas
duas sentenças, mas, na certa, as aplicou quando repetiu o mantra com que seu
antecessor, padrinho e agora pedra no sapato Luiz Inácio Lula da Silva derrotou
Geraldo Alckmin, em 2006, e ela própria adotou para manter José Serra à
distância, em 2010. Há oito anos, aparentemente debilitado pela denúncia do
mensalão, o ex-presidente foi ajudado por uma campanha subliminar insinuando
que os tucanos privatizariam a Petrobrás. O efeito deletério da patranha em seu
desempenho fez o oponente vestir uma jaqueta com logomarcas de estatais, entre
elas a Petrobrás. Em vão: teve menos votos no segundo do que no primeiro turno
e deu-se a reeleição. Há quatro anos, a falácia levou Serra às cordas e o poste
de Lula venceu.
A decisão do eleitor diante
da urna depende de muitas motivações e as vitórias petistas não podem ser
atribuídas apenas à mentira que, de tão repetida, passou a ser dada como
verdadeira. Mas, por via das dúvidas, em Minas, berço dela mesma e de seu maior
empecilho à permanência no poder, Aécio Neves, a presidente assumiu como sua a
profecia de que a oposição privatizará a Petrobrás ou trocará seu nome.
O problema dela e do
Partido dos Trabalhadores (PT) é que o contexto mudou significativamente nesta
eleição. Nas duas disputas anteriores, o salário-família para os mais pobres e
a bonança econômica para os abonados amplificavam bastante a fé popular na
pregação governista. E a Petrobrás propagava ótimas notícias e,
consequentemente, excelentes razões para o eleitor não permitir alterações
profundas na gestão da maior empresa do Brasil. A fantasia dos Emirados Árabes
do Brasil tinha prefixo, hífen e nome: pré-sal - o sonho de mil e uma noites,
que Sheherazade não tinha tido a ideia de contar ao rei persa Shariar, de um
país disposto a gastar petrodólares em educação e saúde para o povo.
Sete anos após a revelação
do sonho, o petróleo extraído da camada do pré-sal no fundo do Atlântico
brasileiro continua sendo uma miragem. E, 60 anos depois do delírio de "o
petróleo é nosso", a pérola mais preciosa do colar da rainha das estatais,
com sua fortuna enterrada em subsolo brasileiro, chafurda na lama de chiqueiros
ocupados por figurões do PT e seus aliados, suspeitos de terem dilapidado um
patrimônio bilionário em "nebulosas transações". E pior: a pérola
jogada aos porcos se desvalorizou vertiginosamente. No palanque em que tenta
recuperar o prestígio perdido nas pesquisas de intenção de votos, a
"gerentona" de Lula se apega ao truísmo de que a empresa vale hoje
mais do que valia no tempo de Fernando Henrique. Este desocupou o trono há mais
de 11 anos e continua sendo o parâmetro universal do PT.
Essa comparação sem lógica
feita pela candidata não elimina, porém, duas constatações assustadoras de
fiasco: em seu mandato, a empresa teve o patrimônio reduzido à metade e desabou
do 12.º para o 120.º lugar no ranking do Financial Times. Ou seja: a
contabilidade da petroleira foi ao fundo do mar, até o pré-sal, mas não extraiu
petróleo para vir à tona.
A princípio, pensava-se que
a gigante estatal seria vítima apenas da ingerência política que sangrou seus
cofres mantendo o preço de derivados abaixo do custo para evitar a má
influência da inflação na medição da preferência eleitoral pela chefe do
governo em outubro que vem. Essa má gestão causou, segundo O Globo, um rombo de
R$ 13 bilhões em outra estatal, a Eletrobrás, para permitir que a candidata à
reeleição baixasse demagogicamente o preço da tarifa de luz.
Mas este não foi o único
"malfeito", para usar o termo favorito da beneficiária número um do
aparelhamento das empresas públicas pelo PT. A Polícia Federal (PF), que, pelo
visto, não foi totalmente submetida ao aparelhamento amplo, geral e irrestrito
dos companheiros, constatou na Operação Lava Jato que houve bandalheira. Ao que
se saiba até hoje, a desventura em Pasadena, Texas, custou ao cidadão
brasileiro, proprietário da Petrobrás, um prejuízo de US$ 2 bilhões. Dez vezes
este "troco de pinga" sumiram na obra faraônica da Refinaria Abreu e
Lima, bancada pelo público para agradar ao tirânico compadre venezuelano Hugo
Chávez.
Governo e oposição
acionaram o Supremo Tribunal Federal (STF) para resolver o impasse que adia a
instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre o tema: esta
exige uma comissão mista e aquele não abre mão de circunscrevê-la ao Senado
para controlá-la. A presidente da petroleira, Graça Foster, oscila entre o
"mau negócio", pondo o mico nas costas do antecessor, José Sérgio
Gabrielli, e o "bom negócio à época", quando lembrada que a empresa é
gerida por petistas e aliados há 12 anos. Investigar será o único jeito de
saber quem embolsou o lucro, além do barão belga Frère, da Astra Oil. As compras
de altíssimo risco das refinarias de Pasadena e Okinawa, os custos
estratosféricos da de Abreu e Lima e as suspeitas associações na operação de
três termoelétricas são a parte exposta do iceberg. Quem ficou podre de rico
com o rombo dos prejuízos que a Petrobrás teve – eis a questão submersa.
(*José Nêumanne é jornalista, poeta e escritor.)
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