Por Luciano
Pires
A escritora
Patrícia Secco obteve a aprovação do Ministério da Cultura para captar recursos
via lei de incentivo com o intuito de lançar edições descomplicadas de obras de
grandes autores, como Machado de Assis, José de Alencar e Aluísio Azevedo.
Patrícia afirma que os jovens não gostam de Machado de Assis porque “os livros
dele têm cinco ou seis palavras que não entendem por frase”. A ideia da
escritora é trocar as palavras que considera difíceis por outras mais fáceis.
Por exemplo, na versão de “O Alienista”, que deve ser lançada no
mês que vem, “sagacidade” foi substituída por “esperteza”. As mudanças não
ferem o estilo dos autores, diz a escritora.
A edição que
obteve patrocínio do MinC, terá tiragem de 600 mil exemplares, a serem
gratuitamente distribuídos pelo Instituto Brasil Leitor.
Bem, já vi
edições de livros transformadas em histórias em quadrinhos, já vi edições
simplificadas até da Biblia, já vi versões de clássicos para crianças, já vi de
tudo isso um pouco. O que eu acho? Primeiro que é impossível não recordar da
“novilíngua” que George Orwell descreveu no livro 1984. A novilíngua era o
idioma criado por um governo ditatorial, através da eliminação de palavras. Com
a remoção das palavras, tornava-se cada vez mais difícil definir as coisas,
ficando mais fácil para o governo controlar a liberdade de pensamento das
pessoas. Por exemplo, a palavra “livre” continuava existindo, mas só para
designar coisas que não se possui mais, como “estou livre do resfriado”. “Livre”
como concepção de liberdade de escolha e de vontade própria, desaparecia na
novilíngua, e com ela, o conceito de liberdade. Fica difícil defender um
conceito inexistente, não é? O empobrecimento do vocabulário, assim, era uma
ferramenta de controle da população, um projeto de poder. Não acho que a mesma
intenção se aplica no caso da simplificação de Machado de Assis, mas as
consequências, no final, serão as mesmas.
Deixe-me então,
para ficar no conceito, simplificar.
Em Bauru, minha
cidade natal, existe um bar chamado Skinão, que faz o sanduíche bauru, criado
em 1934 por um bauruense na lanchonete Ponto Chic do largo do Paissandú em São
Paulo. O bauru original tem pão francês, queijo especial derretido em água,
rosbife, pepino e tomate. É maravilhoso. Mas na padaria da esquina dá para
comer um bauru que é duas fatias de pão de forma, presunto, queijo e um tomate.
E talvez, orégano.
Os dois são
“bauru”, os dois matam a fome, mas só um é o bauru de verdade, o original, que
é mais caro, mais sofisticado, tem mais paladar, uma obra de arte.
Quem nunca
comeu o original passará a vida achando que bauru é um misto quente com tomate.
Dá para proibir
a venda de misto quente com tomate chamando de bauru? Não. Qual é o problema
então?
Bem, para comer
um bauru de verdade, é preciso esforço. Tem que ir pra Bauru ou então procurar
um Ponto Chic em São Paulo. É mais caro… Tem picles… Mas aquele outro, o bauru
de araque, tem em qualquer lugar, é baratinho e muito fácil de comer.
Se um dia o
bauru original deixar de ser feito, só restará o misto quente com tomate.
Teremos então as Memórias Póstumas do Verdadeiro Sanduíche Bauru.
E a humanidade
ficará mais pobre.
Simplifiquei
demais?
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