É na faculdade de mentir, que caracteriza a maior parte dos homens atuais, que se baseia a civilização moderna. Ela firma-se, como tão claramente demonstrou Nordau, na mentira religiosa, na mentira política, na mentira econômica, na mentira matrimonial, etc. A mentira formou este ser, único em todo o Universo: o homem antipático.
Atualmente, a mentira chama-se utilitarismo, ordem social, senso prático; disfarçou-se nestes nomes, julgando assim passar incógnita. A máscara deu-lhe prestígio, tornando-a misteriosa, e portanto, respeitada. De forma que a mentira, como ordem social, pode praticar impunemente, todos os assassinatos; como utilitarismo, todos os roubos; como senso prático, todas as tolices e loucuras.
A mentira reina sobre o mundo! Quase todos os homens são súditos desta onipotente Majestade. Derrubá-la do trono; arrancar-lhe das mãos o cetro ensaguentado, é a obra bendita que o Povo, virgem de corpo e alma, vai realizando dia a dia, sob a direção dos grandes mestres de obras, que se chamam Jesus, Buda, Pascal, Spartacus, Voltaire, Rousseau, Hugo, Zola, Tolstoi, Reclus, Bakounine, etc.
E os operários que têm trabalhado na obra da Justiça e do Bem, foram os párias da Índia, os escravos de Roma, os miseráveis do bairro de Santo Antônio, os Gavroches, e os moujiks da Rússia nos tempos de hoje. Por que é que só a gente sincera, inculta e bárbara sabe realizar a obra que o gênio anuncia? Que intimidade existirá entre Jesus e os rudes pescadores da Galileia? Entre S. Paulo e os escravos de Roma? Entre Danton e os famintos do bairro de Santo Antônio? Entre os párias e Buda? Entre Tolstoi e os selvagens moujiks? A enxada será irmã da pena? A fome de pão paracer-se-à com a fome de luz?...
(Teixeira de Pascoaes, escritor português, in “A Saudade e o Saudosismo”.)
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