Leila Jalul
Os carros de som passavam nas ruas fazendo a campanha presidencial.
Lott e Jânio iriam disputar a eleição que, um ano (ou menos) depois, seria transformada na maior pilhéria da história do Brasil. Um louco de bigode, de olhos tortos, de pernas desmanteladas, viciado em bebida que passarinho não bebe, movido por forças ocultas, renuncia como se estivesse brincando de esconde-esconde com uma nação de mais de 70 milhões de gente.
Na Bolívia, pelo que se ouvia nas rádios, a situação era também grave. Toda semana um golpe de estado. Foi por esse tempo que assassinaram um influente de la banda. Era tão influente, tão brilhoso, que nem lembro o nome. O povo na rua gritava "Asesinos". E pou! Lá se foi mais um.
O som de taquara rachada ia e vinha pela minha rua:
“Varre, varre, vassourinha
varre, varre a bandalheira
o povo está cansado de viver dessa maneira
Jânio Quadros é a esperança
deste povo abandonado.”
varre, varre a bandalheira
o povo está cansado de viver dessa maneira
Jânio Quadros é a esperança
deste povo abandonado.”
Eu e meu irmão Chico, cúmplices e interligados tal qual siameses, subíamos na mangueira que meu pai plantou. A fruta era tão boa e doce quanto as das árvores de cemitério. A semente veio do Ceará (grandes merdas!). Ficávamos ali, roubando nossas mangas de nós mesmos, achando que estávamos fazendo bem em apreciá-las. Quanto engano!
No dia em que meu pai descobriu que Chico fazia parte da colheita, diretamente do jirau, lança uma banda de tijolo que acerta justinho na cabeça de meu irmão. Do galho em que me encontrava, só escutei o baque surdo e vi um corpo estendido no chão.
Às pressas, desci, e, por sorte, deu tempo ainda de ver aquele olhar pidão, lágrima descendo, como se dissesse: “Só por causa de uma manga! Tá vendo, mana?” E morreu meu irmão.
Sentindo um ódio, subi de novo na mangueira e cantei a música do Jânio e, ao fim de cada estrofe, gritava a palavra de ordem dos bolivianos: “Asesino! Asesino!”
Enquanto viveu, Chico foi o macaco prego mais sem vergonha que conheci. Aquele troço encarnado e descarnado, no meio das pernas, sempre em ponto de bala.
Levantava a saia de todas as cozinheiras da casa grande e bebia todos os restos de cachaça dos cálices que os seringueiros do meu avô deixavam no balcão.
Enxotado, saía como se risse e se abrigava no meu colo. Nossos papos eram infindáveis. Nossos olhos se entendiam. Nada de palavras.
E foi assim que perdi Chico, meu irmão.
(Leila Jalul é escritora acriana, autora dos livros Suindara, Absinto Maior e Minhas Vidas Alheias.)
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