domingo, 25 de março de 2012

Padre Chrystian Shankar e o aconselhamento amoroso no Fantástico show da vida

Eis que aparece o comunicador-Padre Chrystian Shankar no programa Fantástico, da Rede Globo. Por conta da repercussão na web de um vídeo no qual dá conselhos para arranjar namoro, como um método de pregação ou evangelização – parece ser isto – que usa na missa da família, celebrada toda quarta-feira no Santuário de N. Sra. Aparecida, em Divinópolis, Minas Gerais.
Padre Chrystian demonstra qualidades notáveis, acho, para além do tom jocoso de suas prédicas. Eu frequentava as missas no santuário quando ele começou lá o seu trabalho. Menos de um ano e a coisa foi virando um rebanhão, que tornou difícil até – até não, principalmente – entrar na igreja. Vazou cristão, crente, curioso e simpatizante para todo lado, tanto que a missa hoje é exibida em telões para quem se aboleta do lado de fora. Em volta, surgiram barraquinhas e mercancias religiosas (ou nem tão religiosas assim) e tudo ganhou uma dimensão descomunal com as caravanas de fieis (ou nem tão fieis assim). Uma dimensão que em muitos momentos sugeriu-me formar-se ali um quê de fanatismo, nem tanto por conta dele, mas apesar dele. Isso, entendo, exigiria redobrar o próprio esforço no trabalho evangelizador, sob o risco de não se sacrificar ou perder o objetivo.
Afastei-me da igreja. Por mea culpa e bem refletida decisão. É porque em mim diz mais alto a certeza de que se eu quiser falar com Deus, tenho que ficar a sós. Tenho que calar a voz. Tenho que encontrar a paz. Caminhar decidido pela estrada que pode dar em nada do que eu pensava encontrar – como diz a canção. Mas por uma estrada que fiz e faço por necessidade de busca ou de fé, sem intermediário ou procurador entre mim e Deus.
A repercussão do vídeo de Chrystian ocorre num momento em que o cristianismo é a religião mais achacada em todo o mundo. No Brasil, país de formação católica – e entendo que essa característica muito mais pesa como tradição e cultura do que como religião propriamente – a beligerância voga em campo aberto a combater símbolos como o crucifixo. No Rio Grande do Sul, uma decisão judicial obrigou a retirá-los dos tribunais e repartições públicas. A ação já ganhou apoio em outros estados do país como Rio de Janeiro e São Paulo, em nome do laicismo do Estado – pero disfarçado de intolerância, no país que já teve o nome de Terra de Santa Cruz.
Sobre a retirada dos crucifixos, veja o depoimento do Padre Demetrius dos Santos Silva (clique aqui para conhecê-lo):
“Sou Padre católico e concordo plenamente com o Ministério Público de São Paulo, por querer retirar os símbolos religiosos das repartições públicas.
Nosso Estado é laico e não deve favorecer esta ou aquela religião. A Cruz deve ser retirada! Aliás, nunca gostei de ver a Cruz em Tribunais, onde os pobres têm menos direitos que os ricos e onde sentenças são barganhadas, vendidas e compradas.
Não quero mais ver a Cruz nas Câmaras Legislativas, onde a corrupção é a moeda mais forte.
Não quero ver, também, a Cruz em delegacias, cadeias e quartéis, onde os pequenos são constrangidos e torturados.
Não quero ver, muito menos, a Cruz em prontos-socorros e hospitais, onde pessoas pobres morrem sem atendimento.
É preciso retirar a Cruz das repartições públicas, porque Cristo não abençoa a sórdida política brasileira, causa das desgraças, das misérias e sofrimentos dos pequenos, dos pobres e dos menos favorecidos.”
Sigamos. Algo que sempre me incomodou foi ver um país, com tamanha tradição cristã, ser tão tolerante com a corrupção no meio político. Fico pensando num povo-cordeiro-demais a oferecer a face tantas vezes quanto mais espancada pela indignidade dos maus políticos ou a perdoar mais de 7 vezes 70 tanto desmando, irrisão e desídia.  Fico mais tentado a crer que isso, em parte, vai por conta de uma Igreja mais ocupada com aspectos da vida mundana do que dos fundamentos do catolicismo de fato. Como aqueles dez mandamentos essenciais, que entendo como embrião e raiz de todo o Direito e da Democracia, instituídos como base do dever e da conduta dos homens para com Deus e o próximo, entre os quais destaco aqui o 7º: Não roubarás.
Mas por que me alongo tanto? O que tudo isso tem a ver com um padre que usa de seu espaço, competências e carismas para exortar multidão a aconselhamentos que os livros de auto-ajuda e os romances açucarados vendem por atacado ou o consultório sentimental de revistas como Atrevida, Todateen, Nova, Cláudia e os horóscopos de João Bidu oferecem como discurso e prova da fragmentação de uma nova ordem social, onde a fragilidade das relações interpessoais faz sucumbir, pela paixão instantânea e o sexo ocasional, o amor? Ah, o amor, o eterno e insistente amor, do qual ninguém desiste e escapa.
Esse mesmo amor que não resiste a crises financeiras que, sabemos, estão entre as maiores causas dos divórcios e dissolução das famílias, ao lado das traições e dos vícios.  Ah, vão dizer, mas o casal que se ama de verdade resiste. Sim, como muitos casais que se amam para valer não resistem, e fracassam. Digo isso porque acredito que se as estruturas políticas e sociais conferem às pessoas a dignidade necessária para exercerem o sagrado direito à felicidade, com ou sem um par, um cônjuge ou alguém que o valha, com certeza elas se ocuparão, por si mesmas, de fortalecer o elo com o próximo e com Deus.
Digo isso também porque, segundo palavras do repórter Maurício Kubrusly que entrevistou Padre Chrystian, publicadas em um jornal local, ele tem “essa coisa muito particular dele, de falar de uma maneira simples sobre as coisas mais importantes da vida”. Isso vale especialmente se o foco são as relações humanas, a família, a vida diferente e o mundo melhor que todos, inegavelmente, sonham e desejam. Vale sobretudo se o objetivo é a dignidade, a cristianíssima dignidade, independente de credo, cor, classe ou gênero.
Por isso parece-me que Padre Chrystian pode – e deve –, valendo-se do prestígio e do lugar que ocupa, fazer algo grandioso além de dar conselhos sentimentais à multidão das humanas gentes que segue tangida pela moral de rebanho sob a corrupção política no país. Que nem de longe é ao menos pagã. Que cobra pesado o que é de César, mas não dá ao povo o que é do povo.
Há muito a se fazer, Padre.
Em Divinópolis, no Brasil, em todo lugar.
Os cristãos cremos.

4 comentários:

  1. Professor Juarez, cada vez o admiro mais.
    Reflexões que realmente fazem valer o sentido da palavra lucidez!
    Estamos tão perdidos...

    ResponderExcluir
  2. Sábias e equilibradas palavras, cumpadi, as suas e as de padre Demétrius. Todas as vezes que vejo/ouço esses padres que arrebanham multidões, fico ainda mais convicto de que a relação com o mistério deve (ou deveria) ser, sobretudo, uma atitude de meditação, de silenciosa busca, tão bem definidas na letra da canção de Gil, que você citou.
    Mas cada rebanho tem o pastor que merece e em tempos de grandes eventos midiáticos, a religião se tornou (ainda mais) um grande show. Uma pena, né?
    Que Deus nos perdoe e salve.

    ResponderExcluir
  3. Flávia Tavares Alvim Franklin26 de março de 2012 às 17:21

    Realmente, há muito a se fazer...
    Vc "não é fácil, não".
    Abraço.

    ResponderExcluir
  4. Momentos que deveriam ser de reflexão, acabam virarando grandes "espetáculos", que acabam fugindo de sua proposta inicial.

    ResponderExcluir