sábado, 14 de maio de 2011

Dos contos do reino

Cegos guiando cegos (Pieter Brueghel, 1568)

O mérito da Rainha de Jabá, se disso pode-se falar, é mérito algum haver no que, de novidade, nada faz no reino que por obra e graça do acaso já não existisse ou por necessidade o povo já não houvesse criado. A exemplo do toma-lá-dá-cá, dos passa-moleques e dos pode-e-não-pode, a bustarella das cordialidades. A driblar o arrocho e a economia de mercado, cuja tendência é mesmo se acomodar mais por causa das leis do tempo e da força dos costumes. Jamais em tempo algum por causa das palpitações coronárias ou de platitudes majestáticas.

Por isso a Rainha Muda é de uma eloquência sem par: se nada diz é porque nada é o seu falar.

Entrementes, por artes e ofícios dos alquimeristas que tanto fazem transbordar quanto esvaziar os alambiques no reino da eterna pifa, e quanto mais a esvaziar os cofres da Corte, vivem neotontos súditos a dizer que sim, ó, sim, o reino agora é um outro mundo. Onde nem miséria há, porque a memória vai pela cumplicidade das vistas enganadas.

Sim, ó, na realidade está muito melhor. Instalada nas ruas, mercados, tabernas, praças, povoados e cercanias do reino, tal realidade agora se reconhece porque no reino, de fato, já se bebe muito mais. Então maior parece o progresso, quanto mais a turbamulta se aproxima da ilusão e mais se distancia da crítica. A crítica, essa dona que anda nua em público, por isso faz muita gente tapar os ouvidos para não ver. 

Como poucos lucram mais e muito com a cegueira, a debilidade e a demência coletiva, tanto e de tal modo fazem a Rainha e seus alquimeristas crer que o melhor de agora é o que antes qualquer abestado se negaria a admitir levando a mão em seu arrombado bolso: os altos gastos da Corte e os ainda mais altos impostos regiamente cobrados e pagos são do interesse público. Para o bem estar geral e a prosperidade do reino na vida que se vive na fantasia dos crediários.

Tanta é a picaretagem e mais a picardia que fariam até um Santo Antão entregar os pontos e cair na farra, descrente de combater os demônios, se vivo fosse quem de crendices nunca viveu.

À exceção dos muito ricos que muito mais ricos estão, porque nunca se fiaram nas carochinhas da promissão, mas no juro das promissórias, o resto vai. A farsa prospera sobre o bronco das plateias.

Mas a Rainha de Jabá garante, trancada em sua torre imaginosa, e dão seus escudeiros aval: agora até os pernetas dançam a balalaica ao som do chincalho e da charanga. E pernetas demais houve, tolos míopes, que jogaram para o alto suas muletas para melhor enxergarem aquilo que tanto otimismo não lhes permite, no embalo, ver: a realidade é que cada um cai para um lado.

Muita gente caiu nessa.

Moral da história: salvação de necessitado é a muleta do desespero.

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