domingo, 6 de maio de 2012

Não ver, não ouvir e calar sempre

Danuza Leão
Você quer ser querida pelos amigos, viver sem problemas, ser daquelas pessoas que são sempre lembradas com alegria e prazer? Em outras palavras: você quer ser feliz? Simples: esqueça essas manias de ver, ouvir e, sobretudo, falar, e sua vida passará a ser um mar de rosas.
Não ouça; isso mesmo, não ouça, salvo, talvez, um pouco de música, quando estiver no carro. Quando perceber que estão contando uma história escabrosa da área política, vá para a janela e olhe para fora com enorme atenção.
E se o assunto envolver a vida particular de quem quer que seja – e quanto mais próxima a pessoa, pior –, seja drástico e finja um mal-estar súbito. Se tiver que se explicar, diga, no máximo, que é vagotônico como era o poeta Vinicius, doença que, aliás, já esteve muito na moda e que ninguém nunca soube muito bem do que se tratava.
Agora, o principal: se uma amiga – principalmente se for a que você mais adora – quiser contar seus problemas pessoais, arranje uma desculpa, seja ela qual for, para não ouvir: simule uma crise nervosa, diga coisas desconexas, dê uns gritos, e se for preciso, desmaie, mesmo que esteja no meio da rua. Vale absolutamente tudo para não assumir o papel de confidente, pois vai acabar sobrando para você – ou estou dizendo alguma novidade?
Bem, já falamos do primeiro ponto: não ouvir. Agora vamos ao segundo: não ver.
Quando for a uma festa, use óculos, daqueles que os bandidos obrigam os sequestrados a usar – com vidro negro e opaco – para não enxergar; faça essa riquíssima experiência que é não ver absolutamente nada, a saber: quem deu um amasso em quem, de quem é a perna enroscada debaixo da mesa que você flagrou quando foi pegar o isqueiro que caiu no chão, ou as baixarias que costumam acontecer quando as pessoas se descontraem, digamos assim. E se não conseguir os tais óculos negros, não tem importância: é só passar a noite inteira de olhos fechados – ou não sair de casa, claro.
Agora, o terceiro ponto, muito, mas muito mais importante do que não ver e não ouvir: não falar.
Nunca diga nada sobre nenhum assunto, e não dê, jamais, uma só opinião sobre nada. Se alguém diz que a couve-flor está mais cara, ouça com o ar mais sério do mundo; se ouvir o contrário, também – e continue mudo. Não diga nada, não faça nenhuma ponderação, não emita um único som.
Renuncie a bancar o inteligente e fique até o sol raiar, se for preciso, de boca fechada, que é a posição correta na vida, como você já deve ter aprendido – ou devia.
Se alguém mencionar a crise política e tiver uma vontade súbita de dizer alguma coisa, morda a língua e não faça juízo a respeito de nada: nem sobre a queda – ou a alta – do dólar, nem, sobretudo, sobre a CPI. Opinião, nem pensar.
O maior perigo é quando sua maior amiga está passando por uma crise e pede um conselho.
As pessoas só querem que se diga o que elas querem ouvir, e há até quem ache que amigo só existe para dar razão quando não se tem razão – você não sabia?
E não tenha ilusões: diga você o que disser, contra ou a favor, no final a culpa será sempre sua. Aprenda, mesmo que já um pouco tarde, que a sabedoria da vida é não ver, não ouvir e calar.
O que significa, na prática, não viver – o que é meio triste, convenhamos.

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