Leandro Machado
Sou
ex-pobre. Todos querem me vender geladeira agora. O trem ainda quebra todo dia,
o bairro alaga. Mas na TV até trocaram um jornalista para me agradar
Eu me considerava um rapaz razoavelmente
feliz até descobrir que não sou mais pobre e que agora faço parte da classe C.
Com a informação, percebi aos poucos que eu e minha nova
classe somos as celebridades do momento. Todo mundo fala de nós e, claro, quer
nos atingir de alguma forma.
Há empresas, publicações, planos de marketing e institutos
de pesquisa exclusivamente dedicados a investigar as minhas preferências: se
gosto de azul ou vermelho, batata ou tomate e se meus filmes favoritos são do
Van Damme ou do Steven Seagal.
(Aliás, filmes dublados, por favor! Afinal, eu, como todos
os membros da classe C, aparentemente tenho sérias dificuldades para ler com
rapidez essas malditas legendas.)
A televisão também estudou minha nova classe e, por isso,
mudou seus planos: além do aumento dos programas que relatam crimes bizarros
(supostamente gosto disso), as telenovelas agora têm empregadas domésticas como
protagonistas, cabeleireiras como musas e até mesmo personagens ricos que moram
em bairros mais ou menos como o meu.
A diferença é que nesses bairros, os da novela, não há
ônibus que demoram duas horas para passar nem buracos na rua.
Um telejornal famoso até trocou seu antigo apresentador, um
homem fino e especialista em vinhos, por um âncora, digamos, mais povão, do
tipo que fala alto e gosta de samba. Um sujeito mais parecido comigo, talvez.
Deve estar lá para chamar a minha atenção com mais facilidade.
As empresas viram a luz em cima da minha cabeça e decidiram
que minha classe é seu novo alvo de consumo. Antes, quando eu era pobre, de
certo modo não existia para elas. Quer dizer, talvez existisse, mas não tinha
nome nem capital razoável.
De modo que agora elas querem me vender carros, geladeiras
de inox, engenhocas eletrônicas, planos de saúde e TV por assinatura. Tudo em
parcelas a perder de vista e com redução do IPI.
E as universidades privadas, então, pipocam por São Paulo.
Os cursos custam R$ 200 reais ao mês, e isso se eu não quiser pagar menos,
estudando à distância.
Assim como toda pasta de dente é a mais recomendada entre os
dentistas, essas universidades estão sempre entre as mais indicadas pelo
Ministério da Educação, como elas mesmas alardeiam. Se é verdade ou não, quem
pode saber?
E se eu não acreditar na educação privada, posso tentar uma
universidade pública, evidentemente. Foi o que fiz: passei numa federal, fiz a
matrícula e agora estou em greve porque o campus cai aos pedaços. Não tenho nem
sala de aula.
Não que eu não esteja feliz com meu novo status de
consumidor, não deve ser isso. (Agora mesmo escrevo em um notebook, minha TV
tem cem canais de esporte e minha mãe prepara a comida num fogão novo; se isso
não for felicidade, do que se trata, então?)
O problema é que me esforço, juro, mas o ceticismo ainda é
minha perdição: levo 2h30 para chegar ao trabalho porque o trem quebra todos os
dias, meu plano de saúde não cobre minha doença no intestino e morro de medo
das enchentes do bairro.
Ou seja, ao mesmo tempo em que todos querem me atingir por
meu razoável poder de consumo, passo por perrengues do século passado. Eu e
mais de 30 milhões de pessoas – o não somos pobres, mas classe C.
Deixa eu terminar por aqui o texto, porque daqui a pouco vão
me chamar de chato ou, pior, de comunista. Logo eu, que só li Marx na versão
resumida em quadrinhos. Fazer o quê, se eu gosto é de autoajuda?
(
bela cronica
ResponderExcluirMuito Bacana.
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