Padre António Vieira
‘Pregava Santo António em Itália na cidade de Arimino,
contra os hereges, que nela eram muitos; e como erros de entendimento são
dificultosos de arrancar, não só não fazia fruto o santo, mas chegou o povo a
se levantar contra ele e faltou pouco para que lhe não tirassem a vida. Que faria
neste caso o ânimo generoso do grande António? Sacudiria o pó dos sapatos, como
Cristo aconselha em outro lugar? Mas António com os pés descalços não podia
fazer esta protestação; e uns pés a que se não pegou nada da terra não tinham
que sacudir. Que faria logo? Retirar-se-ia? Calar-se-ia? Dissimularia? Daria
tempo ao tempo? Isso ensinaria porventura a prudência ou a covardia humana; mas
o zelo da glória divina, que ardia naquele peito, não se rendeu a semelhantes
partidos. Pois que fez? Mudou somente o púlpito e o auditório, mas não desistiu
da doutrina. Deixa as praças, vai-se às praias; deixa a terra, vai-se ao mar, e
começa a dizer a altas vozes: Já que me não querem ouvir os homens, ouçam-me os
peixes. Oh maravilhas do Altíssimo! Oh poderes do que criou o mar e a terra!
Começam a ferver as ondas, começam a concorrer os peixes, os grandes, os
maiores, os pequenos, e postos todos por sua ordem com as cabeças de fora da
água, António pregava e eles ouviam.
[...] Vede, peixes, quão grande bem é estar longe
dos homens. Perguntando um grande Filósofo, qual era a melhor terra do mundo,
respondeu que a mais deserta, porque tinha os homens mais longe. Se isto vos
pregou também Santo António, e foi este um dos benefícios de que vos exortou a
dar graças ao Criador, bem vos pudera alegar consigo que quanto mais buscava a
Deus, tanto mais fugia dos homens.
Para fugir dos homens
deixou a casa de seus Pais e se recolheu ou acolheu a uma Religião, onde
professasse perpétua clausura. E porque nem aqui o deixavam os que ele tinha
deixado, primeiro deixou Lisboa, depois Coimbra, e finalmente Portugal. Para
fugir e se esconder dos homens, mudou o Hábito, mudou o nome, e até a si mesmo
se mudou, ocultando sua grande sabedoria debaixo da opinião de idiota, com que
não fosse conhecido nem buscado, antes deixado de todos, como lhe sucedeu com
seus próprios irmãos do Capítulo Geral de Assis (*). Dali se retirou a fazer
vida solitária em um ermo, do qual nunca saíra, se Deus como por força o não
manifestara, e por fim acabou a vida em outro deserto tanto mais unido com
Deus, quanto mais apartado dos homens.’
O Sermão de Santo António aos
Peixes foi pregado em 13 de Junho de 1654 em São Luís do Maranhão.
Critica a prepotência dos grandes, que, como peixes, vivem do sacrifício de muitos
pequenos, os quais "engolem" e "devoram". O texto permanece
atual como o galope rocinante da estupidez moral, política etc e tal e da
hipocrisia que ora prosperam sem modéstia – sob falsa aparência – nessa terra
mãe gentil.
Para ler o texto na íntegra, clique aqui.
(*) Cidade da Itália
onde nasceu S.Francisco de Assis.
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