domingo, 7 de agosto de 2011

A norma do insensato coração e a usina de sonhos ou O desmemorioso no espelho

Indignação e revolta. São esses os sentimentos que, leio num troço qualquer, nutre o respeitável público pela personagem Norma, na pele da atriz Glória Pires, da novela global “Insensato Coração”. Traída na trama pelo bandido Léo, bandida que nem, segue Norma apaixonada e recaída por ele. E o público ainda torce para que a moça não se deixe engabelar de novo e vá de final feliz.
Já afirmou-se aqui, as novelas são pedagógicas. Muito pior que a ficção é a vida real. Difícil porém é mirar-se na realidade, espelho de visões e valores distorcidos. Identificar-se com uma personagem a ponto de esquecer e perdoar seu desaire, deslizes e desvios, como se narrassem os folhetins a vida dos santos e as proezas dos beatos, eis a questão. Talvez, a explicar a reincidência de sucessos televisivos e fracassos retumbantes na vida como ela é.
As novelas, embora espelho baço da vida nacional, mobilizam o país mais, bem mais do que deveriam. Até o escritor Carlos Drummond de Andrade, atento ao diletantismo dessa demanda artificial ao sul do Equador, ocupou-se do fenômeno. Em 1977, diante do sucesso da novela “O Astro”, atual remake da Rede Globo, CDA recomendou ao país cuidar da vida após o último capítulo da história – que parou o Brasil com o mistério da morte de Salomão Hayalla e foi manchete de primeira página dos jornais. A Janete Clair, a autora, o poeta concedeu, com justiça, o título de “usineira de sonhos”.
A usina de sonhos brasileira gira moendo a bagaceira da vez. Se não distrai, instrui. Se não engana, estabelece. Ou tudo isso no mesmo enredo. A novela devolve ao telespectador a imagem de um Narciso desmemorioso, uma versão de Funes decalcada de um simulacro macunaíma. Funes, personagem da obra “Ficções”, do escritor Jorge Luis Borges, tem memória prodigiosa, mas é incapaz de pensar. Como é incapaz certo tipo telespectador, positivo inoperante, de encarar na máscara da Medusa o escudo de suas próprias vilezas.
Norma, a de insensato coração, é mulher de bandido. Apanhou dele, mas gostcha mucho!, ama e perdoa.
Norma é o/a eleitor/a brasileiro/a que elege bandido, sofre, apanha, jura vingar-se, depois reincide na insensatez da reeleição canalha.
A exceção não tem estreia prevista.
A exceção, utopia das utopias, quem sabe um dia.
Até lá, haja novela, coração.

3 comentários:

  1. Muito boa comparação.

    Está tudo aí, no seu texto. Sem comentários. Qualquer frase seria repetição. Redondinho.

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  2. Carlos aluno pitagoras22 de agosto de 2011 às 06:40

    Falou tudo!
    Nem tem explicação esse texto muito bom!

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