Cotista aprovada no vestibular 2013: negra ou índia (Rep. MPRJ) |
A foto de uma jovem em uma praia, publicada
no Facebook, motivou o comentário de uma amiga. “Ficou morena?”, perguntou.
A menina da foto, para não deixar dúvida sobre como se enxerga, respondeu com
um palavrão irreproduzível: “Sou loira, p...” Desde setembro, a jovem da foto, Vanessa
Daudt, frequenta o curso de enfermagem na Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, a Uerj. Para a instituição, no entanto, ela apresentou uma ideia
diferente sobre seu tom de pele e sua descendência. Vanessa declarou ser negra
ou índia e afirmou ter baixa renda. Conseguiu, assim, ingressar na faculdade
apesar de ter ocupado o 122º lugar na classificação geral, para um curso com 80
vagas.
Como cotista, Vanessa disputou 16 vagas com
34 candidatos – 2,19 interessados em cada cadeira. Na seleção normal, a corrida
seria bem mais apertada: teria que brigar com 515 vestibulandos por 44
matrículas. O caso de Vanessa é um dos mais de 60 sobre as mesas dos promotores
de Justiça do Ministério Público do Estado do Rio. Desde 2007, denúncias
anônimas e dos próprios estudantes avolumam-se em um inquérito de mais de 3.000
páginas dedicado a descobrir se o sistema de cotas na Uerj, que toma
previamente 45% das vagas da instituição, é usado como atalho ilegal para
estudantes que se aproveitam das fragilidades da lei estadual 5.346 – a que
dispõe sobre o sistema de cotas nas universidades estaduais do Rio. Como é
sabido por todos os candidatos, basta declarar-se negro ou índio e apresentar
comprovantes de baixa renda para ser avaliado como cotista, com absurdas
vantagens sobre os demais concorrentes. Apesar da abundância de denúncias e de
a lei determinar que “cabe à universidade criar mecanismos de combate à
fraude”, a direção da Uerj não está preocupada com os buracos em seu sistema.
O MP, diante do volume de denúncias, faz o
que a instituição já deveria ter feito: evitar a farra que subverteu não só os
critérios de meritocracia para ingresso na universidade, mas a própria lógica
das cotas. Os “espertos” conseguem, com notas bem mais baixas, passar na frente
de gente que estudou e recusou-se a recorrer ao caminho da fraude. O descaso da
universidade consegue algo inédito, que é unir gente a favor e contra as cotas.
Afinal, um sistema de cotas raciais que não barra os falsos cotistas prejudica
a todos, e não somente aos que, por lei – por pior que ela seja – teriam acesso
legítimo ao benefício.
O caminho da investigação será longo. Os
promotores tentarão, no âmbito criminal, encontrar uma saída para um problema
criado por uma política equivocada, que classifica pessoas segundo critérios
raciais. Pesquisa do geneticista Sérgio Danilo Pena, professor da Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG), identificou que 60% dos brasileiros que se
julgam “brancos” têm sangue africano ou indígena nas veias. O caso do sambista
Luiz Antônio Feliciano Marcondes, o Neguinho da Beija-Flor, é simbólico. Exame
feito pelo laboratório de Pena identificou que ele tem 67,1% dos genes de
origem na Europa e apenas 31,5% da África.
Na sexta-feira, no intervalo de uma das aulas
do curso de enfermagem da Uerj, Vanessa, a estudante loira que abre este texto,
defendeu seu direito ao benefício. Vanessa disse que sua documentação foi
aceita, e que é “carente”. Como não existe cota para quem é branco e carente,
declarou-se “negra ou índia”. “Digo que sou da cor que eu quiser”, afirmou. Ela
acertou em cheio a origem do problema do sistema das políticas raciais.
Vale, para os efeitos legais, a
autodeclaração da cor da pele. De acordo com a legislação brasileira, não é
função do Estado determinar a raça de uma pessoa. Ou seja: é negro ou índio
quem decidir assim se classificar perante a instituição. Quando a universidade
tenta interferir, a confusão é imensa, como provou o caso dos gêmeos univitelinos
Alex e Alan Teixeira da Cunha – o primeiro classificado como branco e, o
segundo, como negro pela Universidade de Brasília (UnB). O disparate no
enquadramento de pessoas geneticamente idênticas levou a UnB a modificar o
ingresso dos cotistas. Em vez da simples declaração do estudante, há uma
entrevista pessoal com o candidato – algo que, obviamente, não corrige uma
política torta, mas afugenta quem tenta se aproveitar de brechas legais.
Como mostra a ciência, não
é possível classificar a descendência com base na cor da pele. Mas são estes –
e os sinais inequívocos de condição social – os critérios que embasam denúncias
dos próprios estudantes. A presença de cotistas brancos, com olhos claros, com
celulares caros e aparelhos como iPads, tem revoltado universitários que
precisaram estudar anos para conseguir uma vaga na Uerj. Alguns chegam a acusar
a Uerj de acobertar as fraudes. O baixo número de sindicâncias instauradas é
outro motivo de reclamações: foram apenas 17, até agora. “A Uerj está
preenchendo vagas com pessoas que se dizem negras ou pobres sem comprovação
válida. Apenas com uma declaração”, disse um dos denunciantes, em 2011.
Apesar do elevado número de
denúncias, até o momento apenas um estudante foi expulso por ter burlado a
reserva de vagas: Bruno Barros Marques, de 29 anos, teve a matrícula cancelada
no ano passado. De acordo com investigações da Uerj e do MP, para concorrer a
uma vaga de cotista em 2009, Marques se passou por estudante carente e declarou
renda de 450 reais, omitindo os comprovantes de rendimento do pai, aposentado
da Petrobras e proprietário de uma loja de material hidráulico e elétrico na
Tijuca, na Zona Norte do Rio. Além disso, declarou ser negro. Outra investigada
pela universidade é Lívia Leba, filha do delegado da Polícia Civil Carlos
Augusto Neto Leba, aprovada como cotista na faculdade de medicina. O caso de
Lívia corre em segredo de Justiça.
Desde a última
segunda-feira, a reportagem do site de VEJA tenta ouvir o reitor da Uerj,
Ricardo Vieiralves de Castro, ou um porta-voz da universidade sobre o inquérito
civil 118/11, que apura se a Uerj tem um sistema eficiente para prevenir e
investigar fraudes no sistema de cotas, como determina a lei, e se há
improbidade de servidores públicos responsáveis pela avaliação de documentos e
sindicâncias. A Uerj não apresentou nenhum porta-voz. A universidade argumenta,
em um documento incluído no inquérito civil 118/11, que a lei 5.346 estabelece
que, para concorrer à vaga de cotista, o candidato pode se autodeclarar negro ou
índio e que, portanto, não cabe à instituição investigar ou duvidar de tal
declaração. “A Uerj não promove qualquer ‘tribunal de cor’, portanto, seu
principal critério é a autodeclaração”, escreveu Vieiralves, em agosto de 2008,
em resposta a um pedido do Ministério Público, ignorando que a lei 5.346
determina que as universidades criem mecanismos de combate às fraudes.
Em maio de 2013, depois de
diversas cobranças do MP relacionadas à falta de fiscalização em relação às
declarações dos alunos, Valdino de Azevedo, assessor do reitor,
argumentou que a “autodeclaração cria enorme dificuldade para esta entidade de
ensino superior”. Azevedo chega a dizer que “o sentido de pertencimento foge
aos critérios objetivos de julgamento”.
No Supremo Tribunal Federal
(STF), em ação apoiada pelo partido Democratas (DEM), foi questionada a
legalidade da política de cotas raciais no processo seletivo da Universidade
Nacional de Brasília (UnB). A legalidade foi reconhecida por unanimidade pelos
12 ministros do STF. Autora da ação, a jurista Roberta Fragoso avalia que
eventuais acusações de fraude na declaração de raça dificilmente serão
reconhecidas na Justiça como crime. Justamente porque não existem no país – felizmente
– leis para dividir a identidade da população pela cor da pele. Procuradora do
Distrito Federal e autora do livro Ações
afirmativas à brasileira: necessidade ou mito? (Editora Livraria do
Advogado), Roberta avalia que essa divisão legal seria um retrocesso. "Se
o Ministério Público acusar alguém de não ser negro, teria de fazer um exame de
DNA de ancestralidade. Não há no Brasil como definir quem é o pardo ou o
mestiço. É possível que pessoas de aparência branca tenham descendência
africana. Cota racial é uma falácia. Sempre dará ensejo a fraudes", diz a
jurista.
Leia
a íntegra da reportagem de Pâmela Oliveira e Daniel Haidar, no site da Revista Veja.
Pode até ser que cota racial é uma falácia, mas comprovar que é pobre enquanto o pai é aposentado da Petrobras já é mau caratismo. Os brasileiros não se cansam de dar aquele velho "jeitinho" para conseguirem seus objetivos. Talvez seja esses pequenos detalhes que impedem o país de tomar jeito de vez.
ResponderExcluirCanalhas! Tanto os que criaram a lei de cotas e não se preocuparam em melhorar previamente a qualidade do ensino básico quanto os que se valem das falhas dessa forma de seleção para se beneficiar no lugar de quem para o qual a lei foi destinada. E falando em problemas educacionais, Juarez, dá uma lida no texto que está no link abaixo: http://m.estadao.com.br/noticias/suplementos,nao-cantaremos-a-internet,1146724,0.htm Abraço, Geovanne
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