Semana sim, semana também,
corrijo e avalio carradas de redações de aluninhos e aluninhas que se preparam
para o vestibular-oficial do país, o VESTIBUNEM, ou Enem, caso queiram.
Invariavelmente, no rodapé
do texto, vem a perguntinha: “professor, no Enem devo ficar em cima do muro?”
ou “o(a) professor(a) não sei quem lá não sei onde falou que eu não posso falar
mal do governo, é verdade?”. Na filosofia do axé, melhor é tirar o pé do chão. Quem
fica em cima do muro é político que, pego com as patinhas na botija, fica
repetindo o mantra: eu não sabia, eu não sabia.
Outro texto traz o
comentário sutil: “procurei agradar gregos e troianos, isso conta no Enem?” A
esse respondo que procure agradar primeiro a si mesmo. Já os gregos, troianos, trobriandeses,
cocanhenses e brasileiros que tratem de ler – e escrever – inteligentemente.
Quanto a falar mal de
governos? E nem é preciso. Eles já falam por si. Aliás, sugiro até que se
introduza o tema (em geral, como fazer a introdução?, é também dúvida frequente)
da seguinte forma: “No País das Maravilhas, tudo é divino-maravilhoso e todos
os sapos e sapas se metamorfoseiam em altezas...”
O “não falar mal de governo”
remete a uma leitura rasteira, confunde-se com uma das ditas competências avaliadas
no Vestibunem, que tem a ver com uma armadilha do discurso “politicamente
correto”: a redação deve apresentar uma solução para o problema abordado com
respeito aos direitos humanos e à diversidade sócio-cutural. O politicamente
correto é aquela maquiagenzinha feita na linguagem para torná-la pretensamente
neutra, sem termos ofensivos.
Acontece que governantes e
governantas não leem nem corrigem redações do Vestibunem. Por vezes e por
óbvio, nem corretores que engolem receita de miojo, hino de time e outros
engasga-lobos que não vêm ao conhecimento público. A maioria dos governantes –
com as exceções de outorga – são analfabetos funcionais ou absolutos, de marré-de-si,
como tantos e tontos de seus eleitores e eleitoras. Para muitos deles, Educação é aquele
negócio que só é bom no currículo dos outros.
Assim dito, não consta que
em nome do “politicamente correto” – aquele discurso do tipo “tapinha nas
costas” – a redação sofra patrulhamento ideológico para “agradar beltranos e
tranas”. Nem pode. Vá ler-se, clarinho lá no artigo 5º, inciso IX da
Constituição Federal do Brasil de 1988, a lei máxima do país:
“– é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e
de comunicação, independentemente de censura ou licença”.
Quer dizer: ainda é. Ou
não?
É pressuposto dos jovens
ousar, questionar, protestar. Não é o que se vê nas mini-festações ocorridas no
país? Ou eles vão tomar bomba por isso?
Então: que a redação seja
instrumento de exercício e manifestação da razão crítica. Aristóteles (360
a.C.), lá na Grécia embrionária da democracia, já havia tocado a trombeta: “A
inteligência é a insolência educada.”
Pois que venham os textos
educadamente insolentes. Com todas as letras.
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