sábado, 23 de abril de 2011

Do Calvário, da Vida e dos Homens

Cristo de S.João da Cruz (Salvador Dali,1951)

Cada vez me convenço mais que a Vida de Cristo constitui o paradigma profético da nossa própria vida, de homens...

Num dia, fazemos milagres, caminhamos sobre as águas, convidam-nos para almoços e jantares, acorrem basbaques de todos os lados para nos verem e maravilhar-se. No outro, tudo se altera e distorce: como num caleidoscópio infernal, damos conosco de madeiro às costas, arquejando ao fundo duma encosta íngreme, ninguém nos conhece, todos nos cospem, e flagelam-nos por ali acima, até ao cume sangrento onde, por vil embirração, cismam de nos crucificar.

Meio estarrecidos, perplexos, perscrutamos o chão que parece agora fugir-nos e conspirar contra nós. Afinal, o mel foi só para afinar o paladar para o sabor do fel?!...

Meio atordoados, interrogamos, com desespero, o céu:

"Vou ter que beber este cálice?..."

E o céu, dum azul imenso, misterioso, profundo, responde:

– "Vais!..."

E é nesta altura, para lá do terror e da esperança, que o homem, se tem um dragão dentro dele, contém as lágrimas, esquece as feridas, fita com desprezo a maralha e clama:

"Então brindemos: À Nossa!..."

À nossa: à indiferença do Céu e à dor na Terra.


(Do Blog Dragoscópio, Escrito no Nevoeiro, 02.04.2010)

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