Carlos
Alberto Sardenberg
Intelectuais ligados ao PT
estão flertando com uma nova tese para lidar com o mensalão e outros episódios
do tipo: seria inevitável, e até mesmo necessário, roubar para fazer um bom
governo popular.
Trata-se de uma clara
resposta ao peso dos fatos. Tirante os condenados, seus amigos dedicados e os
xiitas, ninguém com um mínimo de tirocínio sente-se confortável com aquela
história da “farsa da mídia e do Judiciário”.
Se, ao contrário, está
provado que o dinheiro público foi roubado e que apoios políticos foram
comprados, com dinheiro público, restam duas opções: ou desembarcar de um
projeto heroico que virou bandidagem ou, bem, aderir à tese de que todo governo
rouba, mas os de esquerda roubam menos e o fazem para incluir os pobres.
Vimos duas manifestações
recentes dessa suposta nova teoria. Na “Folha”, Fernanda Torres, em defesa de
José Dirceu, buscou inspiração em Shakespeare para especular: talvez seja
impossível governar sem violar a lei.
No “Valor”, Renato Janine
Ribeiro escreveu duas colunas para concluir: comunistas revolucionários não
roubam; esquerdistas reformistas roubam quando chegam ao governo, mas “talvez”
tenham de fazer isso para garantir as políticas de inclusão social.
Tirante a falsa
sofisticação teórica, trata-se da atualização de coisa muito velha. Sim, o
leitor adivinhou: o pessoal está recuperando o “rouba mas faz”, criado pelos
ademaristas nos anos 50. Agora é o “rouba mas distribui”.
Nem é tão surpreendente
assim. Ainda no período eleitoral recente, Marilena Chauí havia colocado Maluf
no rol dos prefeitos paulistanos realizadores de obras, no grupo de Faria Lima,
e fora da turma dos ladrões.
Fica assim, pois: José
Dirceu não é corrupto, nem quadrilheiro – mas participou da corrupção e da
quadrilha porque, se não o fizesse, não haveria como aplicar o programa popular
do PT.
Como se chega a esse
incrível quebra-galho teórico? Fernanda Torres oferece uma pista quando comenta
que o PT se toma como o partido do povo brasileiro. Ora, segue-se, se as elites
são um bando de ladrões agindo contra o povo, qual o problema de roubar “a
favor do povo”?
Renato Janine Ribeiro
trabalha na mesma tese, acrescentando casos de governos de esquerda
bem-sucedidos, e corruptos. Não fica claro se são bem-sucedidos “apesar” de
corruptos ou, ao contrário, por serem corruptos. Mas é para esta última tese
que o autor se inclina.
Não faz sentido, claro.
Começa que não é verdade que todo governo conservador é contra o povo e
corrupto.
Thatcher e Reagan, exemplos
máximos da direita, não roubavam e trouxeram grande prosperidade e bem-estar a
seus povos.
Aqui entre nós, e para ir
fundo, Castello Branco e Médici também não roubavam e suas administrações
trouxeram crescimento e renda.
Por outro lado, o PT não é
o povo. Representa parte do povo, a majoritária nas últimas três eleições
presidenciais. Mas, atenção, jamais ganhou no primeiro turno e os adversários
sempre fizeram ao menos 40%. E no primeiro turno de 2010, Serra e Marina
fizeram 53% dos votos.
Por isso, nas democracias o
governo não pode tudo, tem que respeitar a minoria e isso se faz pelo respeito
às leis, que incluem a proibição de roubar. E pelo respeito à opinião pública,
expressa, entre outros meios, pela imprensa livre.
Por não tolerar essas
limitações, os partidos autoritários, à direita e à esquerda, impõem ou tentam
impor ditaduras, explícitas ou disfarçadas. Acham que, por serem a expressão
legítima do povo, podem tudo.
Assim, caímos de novo em
velha tese: os fins justificam os meios, roubar e assassinar.
Renato Janine Ribeiro diz
que os regimes comunistas cometeram o pecado da extrema violência física, eliminando
milhões de pessoas. Mas eram eticamente puros, sustenta: gostavam de limusines
e dachas, mas não colocavam dinheiro público no bolso. (A propósito, anotem aí:
isto é uma prévia para uma eventual defesa de Lula, quando começam a aparecer
sinais de que o ex-presidente e sua família abusaram de mordomias mais do que
se sabe).
Quanto aos comunistas,
dizemos nós, não eram “puros” por virtude, mas por impossibilidade. Não havia
propriedade privada, de maneira que os corruptos não tinham como construir patrimônios
pessoais. Roubavam dinheiro de bolso e se reservavam parte do aparelho do
estado, enquanto o povo que representavam passava fome. Puros?
Reparem: na China, misto de
comunismo e capitalismo, os líderes e suas famílias amealharam, sim, grandes
fortunas pessoais.
Voltando ao nosso caso
brasileiro, vamos falar francamente: ninguém precisa ser ladrão de dinheiro
público para distribuir Bolsa Família e aumentar o salário mínimo.
Querem tudo?
Dilma consegue aprovar a MP
que garante uma queda na conta de luz. O Operador Nacional do Sistema Elétrico
diz que haverá mais apagões porque não há como evitá-los sem investimentos que
exigiriam tarifas mais caras.
Ou seja, a conta será mais
barata, em compensação vai faltar luz.
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