domingo, 10 de abril de 2011

O mais estranho milagre

Todo mundo é chegadinho a um milagre, embora por conta do desengano, do perigo ou da desesperança nem todos creiam em milagres. Mas espera-se que aconteçam. Pode ser o prêmio da loteria. A promoção no emprego ou aquele aumento salarial. A celebridade instantânea por causa de uma aparição na TV. O carro novo. A casa própria. O amor que despenca de paraquedas no meio da avenida para a vida toda. Ou a árvore da felicidade que de repente, não mais que de repente brota de preferência carregada de frutos no jardim.

Não falo dos milagres da cura, que esses operam em língua estranha, particular, muito íntima, aprendida num oásis oculto da mente e da força humana, só entendível na mais profunda misericórdia e compaixão.  

Nem digo dos milagres da fé, embora não falte igreja nem atravessadores a contar o milagre e entregar o nome do santo, que esses andam aí tão esparsos porque nem de longe concorrem com as razões do interesse, do egoísmo, do orgulho ou da inação. E me fazem questionar, com argumento infantil, se quem criou a luz foi Deus ou Thomas Edison. Ou se Jesus fazia tantos milagres nos tempos bíblicos por que agora não faz mais.

Falo, sim, daqueles milagres aos quais não se dá a devida atenção e, corriqueiros, súbito estão diante de nós, se não por essência da própria fé ou do amor, do esforço e do mérito.

Falo desses milagres cotidianos, que ignoram a pressa e são por ela ignorados. Mas que não derrogam leis da natureza, do universo ou da vida como um acontecimento fantástico. Nem passam por cima de pessoas e coisas, e nos devotam às ações possíveis. Uma mesa posta com o suor do trabalho. Um abraço. Um carinho. Uma presença querida. Um ombro amigo. Uma noite de tranquilo e justo sono na certeza do dever cumprido. Um caráter animado pela esperança de que dias melhores virão. O sol da manhã.

Há muito deixei de duvidar dos milagres. De aguardar também, menos por desejá-los do que por neles crer. Eles que me esperem. O milagre, sei, não é aquilo que está por acontecer, mas o que já aconteceu e nem sempre se vê, vejo. Que não vem embrulhado como presente, porque são o próprio presente e dele feito.

Falo daqueles milagres visíveis em seus efeitos sobre nós, aqui e agora. Do milagre de tudo que vivi, se isso me fez melhor do que fui e, conquanto benefícios materiais não me traga e dividendos renda, me devolva senão o contentamento, a consciência de me reconhecer e me admitir melhor.

Desses pequenos milagres falo, não daqueles que me opõem certezas e dúvidas porque a minha esperança não passou de uma fé que, penso, não deu certo. Que era insuficiente. Ou por ser-me desconhecida e, mais, porque a mim mesmo não me fez conhecer.

Nada de numinoso, a desafiar explicações, declarar profecias ou enigmas, senão que de toda e qualquer experiência profundamente individual eu perceba a eterna novidade da vida, vivida. Mesmo sem a cor do extraordinário ou a assinatura do divino.

Nada que me seja estranho. Desse milagre falo, nele acredito, espero. Não há milagre mais estranho do que essa espera a me arrebatar os dias sob meu olhar horizontal.

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